Pular para o conteúdo principal

em pouco mais de 2 anos a editora éblis chega ao quinto título

cândido rolim nasceu em Várzea Alegre (Ceará) em 1965. Reside em Fortaleza. É autor de Fragma (Fortaleza: Funcet, 2007), Pedra Habitada (Porto Alegre: AGE, 2002), Exemplos Alados (Fortaleza: Letra e Música, 1998), entre outros livros. Tem poemas, resenhas e ensaios publicados em jornais e revista do país e na internet. e-mail: candidorolim@hotmail.com

ademir demarchi nasceu em Maringá (PR) em 1960. Reside em Santos (SP). Doutor em Literatura Brasileira (USP), é editor de BABEL – Revista de Poesia, Tradução e Crítica. É autor de Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e organizador de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do Paraná, 2002). Tem poemas, ensaios e resenhas publicados em jornais e revistas impressos e na internet. e-mail: revistababel@uol.com.br


Com a publicação de Passeios na floresta, de Ademir Demarchi, e Camisa qual, de Cândido Rolim, a Editora Éblis chega ao quinto título do seu catálogo, confirmando, em pouco mais de um ano de existência, a impertinência do seu projeto editorial: o gesto estético e crítico da publicação de poesia.

Contra o pano de fundo do cenário literário contemporâneo, onde o provincianismo mostra-se muito ativo e o cult muito cansativo, os dois novos títulos reafirmam o rigor e a unidade do catálogo da editora: um time de poetas que encaram a criação poética como uma sempre confrontação com a linguagem, como um fazer de risco frente à exaustão das formas consagradas do discurso verbal, envolvendo a experimentação e a negação de clichês retóricos.

Em Passeios na Floresta, Ademir Demarchi, paranaense radicado em Santos, sem receio do extravio, se embrenha pelas vias imprecisas da floresta da linguagem, usando a metáfora de Paul Valéry capturada à epígrafe do livro. A partir daí, o poeta alcança a sua errância por meio de efeitos de cálculos, mapeando encontros imprevistos, aqui com Mr. Conrad (imensidão de água sob os pés/ dentro do barco bêbado o mar no convés), ali com Nietzsche (pequenas nuvens no pasto ôntico e ótico) e acolá com o Sangue Ruim (caminhamos como sempre para o grande encontro/ com o imenso Espírito-de-Porco). No extravio calculado, Ademir alcança, como Ulisses, a possibilidade de ter o que contar, em articulações inesperadas, a experiência da linguagem: não, não tenha medo não/ pois o homem em guerra morre em vão/ lançando setas sem osso ao caos/ enquanto o sábio poeta deleita-se nos seios das sereias/ e navega o acaso cantando as naus.


Camisa qual de Cândido Rolim, cearense que viveu alguns anos em Porto Alegre, mas que recentemente voltou para Fortaleza, é um livro grave, onde na superfície árida da palavra o poeta afirma uma paradoxal emoção cética ao se (des)confessar: por dentro repleto/ de outros travos/ deixo que a simples/ distração alcance/ o razoável. Assim que, no poema que dá título ao livro, abre um irritado parêntese à cordeira estridência das patriotadas de domingo: e aquele um equatoriano/ camisa algo que levou/ o drible memorável aquele/ o pano de fundo de/ chão para a ubérrima estridência/ nacional// (...) o quem mesmo? da escalação/ o zagueiro número de cobre às costas sem/ classe = 2 desses não vale 1 nosso/ com quem o craque/ exaltável ao máximo não/ troca a camisa/ nem a pele. É nesse rigor das indagações e no cuidado da forma inconformada que o livro de Cândido se faz e nada concede gratuitamente e nem sequer lhe ocorre/ ser bom, pois isto não [o] livra/ do risco de ser mal/ interpretado.


Ronald Augusto e Ronaldo Machado

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dá licença, meu branco!

Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a

TRANSNEGRESSÃO

TRANSNEGRESSÃO 1              No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão mínimos índices de informação verb