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política não tem fim felicidade sim

homero


As qualidades dos heróis homéricos são exaustivamente representadas e cantadas pelo aedo. O político de sucesso é aquele que soube publicar e fazer a propaganda (às vezes enganosa) das suas realizações. Sua “coerência de vida e sua defesa dos interesses da nação” são, por dever, notoriamente conhecidos. O político precursor faz as vezes do moralizador. O seu crítico ou analista parece lembrar, embora de maneira muito tênue, o moralista imaginado por Nietzsche, isto é, o sujeito que entende a moral como algo a ser interrogado, um problema, algo que pode ser posto em questão. Para o crítico, o moralizar - como pensa Nietzsche - não soaria imoral?



Não obstante sucessivos fracassos, ainda tentamos racionalizar, a duras penas, através da política, nossas paixões. A este respeito, convém uma mirada detida sobre o drama republicano de Shakespeare, Julio César. O assassínio do poderoso romano é arquitetado e tenazmente justificado através de estratagemas retóricos oferecidos ao senso comum (leitor, espectador, povo da praça, etc.) dentro de uma argumentação que finge verdadeira e moralizante a falsidade subjacente a uma série de enunciados dicotômicos, por exemplo: “Que teríeis preferido: que César continuasse com vida e vós morrêsseis como escravos ou que ele morresse, para que todos vivêsseis como homens livres?”, pergunta Bruto aos cidadãos, numa fala falaciosa, argumentum ad populum.



Na prática política tal como ela deveria quem sabe se nos apresentar, o cidadão compareceria à cena como o hipócrita leitor baudelairiano, performer-síntese das disputas de poder contidas no teatro social, o caroço mesmo das instituições e políticas públicas. Mas “em algum lugar da utopia, ou do ativismo político, operou-se o divórcio entre dirigente e dirigido, entre governo e povo”. A cidadania política deixa de ser a concreção da arte do diálogo e é rebaixada à condição de ruína glamourizada, monturo, despojo dos conflitos ideológicos.

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