Pular para o conteúdo principal

a segunda parte da entrevista ao joão pedro wapler do Café


O seu mestre na poesia nacional eu sei que é Manuel Bandeira. Mas no campo internacional, qual o poeta que você tem mais identificação?

Na perspectiva da figura do poeta-crítico, isto é, aquele sujeito que pensa as imposturas e as virtudes do fazer poético numa relação viva com a tradição, minha referência é Ezra Pound. Já em termos de singularidade de linguagem, isto é, os poemas realizados e contidos em livros, que deixo ao alcance da minha mão, cito Dante e Mallarmé.

Você tem o seu trabalho solo como cantor/compositor e também faz parte dos poETs. Qual o prazer que a música lhe traz que é impossível de ser preenchido pela poesia?

A convivência mesma com músicos, que são infinitamente menos chatos que poetas. A música me garante uma pausa saudável no verbal e na vaidade que, misturada à inteligência, vira desprezo.

Seu trabalho como crítico é bastante prolífero. Você escreve com frequência no site Sibila e nos seus blogs Poesia Coisa Nenhuma e Poesia-Pau. Você acha que na pós-modernidade o artista se individualizou demais e perdeu um pouco do seu poder de fogo crítico?

Sim, sou diretor-associado do website Sibila. Sibila, criada pelos poetas Régis Bonvicino e Charles Berstein, põe em questão essa faceta hipocritamente tolerante do pós-moderno. Há outros espaços onde esse apetite crítico sobrevive, lembro, por exemplo, o site Critério, editado pelo Marcelo Chagas. Procuramos fazer um debate interessado e interessante. Nos meus blogs eu já vinha fazendo isso, e desde 2000, mais ou menos. A crítica nunca cessa, queiramos ou não, sempre iremos topar maus, bons ou excelentes escritores. O que acontece é que parece que estamos abdicando de avançar alguns julgamentos públicos a respeito dessa classe de produtores, embora no espaço indecoroso da privacidade não nos furtemos de, já nem digo julgar, mas sob a vestimenta cínica da maledicência, sentar o sarrafo, pelas costas, nas realizações dos nossos iguais. Minha crítica não é senão uma forma de interpretação, faço-a nesse sentido de que se trata de uma coisa em movimento, aberta à réplica futura. É necessário que outros também o façam, e que, se possível, apresentem outros tópicos e nomes. Escolhas entre os escolhos. Fazendo isso o analista se situa, ou seja, diz de onde veio e, talvez, para onde e com quem vai.

Mallarmé

Os grupos literários, os movimentos literários, as escolas literárias, as confrarias literárias, etc, estão em extinção?

Movimentos e escolas (na acepção de proposição estética), arrisco a dizer que sim. Quanto a grupos e confrarias, ao contrário, eles estão aí, muito atuantes, dirigindo editoras e coleções, revistas, centros culturais públicos e privados. É assim mesmo. E, por outro lado, é em função disso que a mirada crítica precisa estar afiada. A recepção às vezes se mostra perversa e oscila ao sabor do vento. Há uma dialética um tanto tensa entre os interesses dos grupos envolvidos, as contingências históricas e o transcurso mais demorado do tempo onde as coisas acabam se decantando.

Você ministra oficinas poéticas. Não sei se soa bem dizer que você “dá aulas de poesia”. Mas enfim, as suas aulas ou encontros diferem bastante do ensino acadêmico. O quanto o ensino universitário pode ser nocivo para a literatura, devido ao seu conservadorismo e politicagens?

O ensino universitário de literatura não promove a poesia e nem a prosa inventivas. Para Borges, professores de literatura não gostam da matéria que ensinam. À academia só interessa o “controle institucional da interpretação” a propósito de algumas obras a respeito das quais tudo já foi dito.

O que é melhor para a poesia como arte: ser pop e disseminada em todos os campos ou ser marginal?

Alguém já disse que a boa poesia está à margem da margem. A cultura pop supõe uma relação horizontal entre o artista e seu fruidor, rompe-se a linha de fronteira entre a alta e a baixa cultura. Atendendo às demandas do seu público, o criador resgata ao cotidiano da cultura da metrópole os insumos da sua arte. Embora eu não defenda a poesia como uma seita catacúmbica, sociedade secreta, etc, essa visibilidade excessiva e frívola da mundanidade pop também não me agrada. Na verdade eu quero distância do meu leitor, inclusive porque essa proximidade tende a ser corruptora.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dá licença, meu branco!

Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a

TRANSNEGRESSÃO

TRANSNEGRESSÃO 1              No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão mínimos índices de informação verb