escrever à mão outra
vez, aos poucos, no controle da caligrafia, para que um dia, os olhos uma
segunda volta sobre essas linhas, um dia, acompanhem a linha do pensamento, se
tal lhes parecer agradável, o que nele havia de discurso, o que se arrastava,
suspiro de ideia após palavra aposta na superfície do fio, sem esbarrar na
rasura, em que a feiura, ínsula lisura de calígrafo de punho duro, em que a troia
tronchada desaba, o cabelo no ombro, guitarra lânguida de cordas azinhavradas,
a caspa do passado polvilhada no encosto do sofá-cama, assim a escrita
enfileirada à maneira de fachadas, atenção a essas casas do 19, algumas que
topamos, a idade de suas arquiteturas encimada, um brasão do tempo, o sucinto
recinto, o breve quadrículo onde lhe é facultado o obséquio da recepção mas sem
que se lhe permita o forro, o avesso, a intimidade indecorosa dessas habitações,
a senhora o atenderá em um minuto, pois não, uma ordinária caligrafia apreensível,
em paralelo com a demorada velocidade da imprensa local, os fatos se
transformam em notícia só depois de 7 dias, o compósito ferro-madeira da ponte
sobre o arroio, qual a alcunha?, 2 jovens nativos junto ao arbusto fuma-fumando
maconha, e sim o murmúrio do arroio se derrama em resmungo, urucungo, passa o
côncavo da casa velha, depois o salsochorão e sua coma aparada à navalha, na
esquina repentina o sobrado de cômodos que emuram pátio efêmero, a negra basta,
robusta e de voz cantante, ri como se fosse cantora lírica, alude ao sexo bom
experimentado há décadas com seu esposo amado como se solfejasse uma ária florentina,
mais tarde, em que se esquadrinha o repertório de trejeitos da tia maneirosa, o
modelo justinho de sua condição de dama démodé, aristocrata de fantasia, glauco
césar, numinoso o nome que esperdiça com esse filho falhado, se persigna
seguindo-a no vácuo, ele se estreita farejando-nos de perto sem bafejar uma
fala sequer, inesperadamente afirma alguma coisa, incontrolável comentário,
flatulência inodora, em que confessa com o vezo de estabelecer um fecho ao
relato que a caligrafia claudica, mas vim até aqui
No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a...
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