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Oliveira Silveira – Obra reunida






Edição do Instituto Estadual do Livro (RS)
Organização, apresentação e notas de Ronald Augusto


Comemorando um arco de quase cinquenta anos de atividade poética do autor, pois Germinou, livro de estreia de Oliveira Silveira, surge em 1962, o Instituto Estadual do Livro (RS) publica Oliveira Silveira – Obra reunida. A presente reunião completa (o quanto possível), ao menos no que toca aos seus livros de poesia publicados, se reveste de fundamental importância.
A obra, ao enfeixar onze livros que tiveram tiragens reduzidíssimas, quase artesanais, vem preencher uma lacuna de pesquisa bibliográfica e de fruição estética relativas a um percurso textual que, ao longo das últimas décadas, tem sido objeto de interesse tanto de escritores, críticos e professores universitários do Brasil e do exterior, quanto de jovens poetas e leitores interessados em aprofundar seu conhecimento na linguagem de Oliveira Silveira. Essa reunião servirá também para estabelecer comparativos estéticos com os experimentos de linguagem ainda inéditos levados a efeito pelo autor e que pesquisas e estudos futuros devem trazer à luz.
Oliveira Silveira – Obra reunida tem duas partes. Na primeira, em ordem contrária à cronológica, agrupamos os onze livros de Oliveira Silveira, do último, Bandone do Caverá (2008), até o primeiro, Germinou (1962). A escolha por esse modo de apresentação se justifica, entre outros motivos, por identificarmos em Oliveira uma disposição para a renovação da sua linguagem, no sentido em que o poeta entendia a sua obra como algo em processo, e por essa razão se mantinha em permanente estado de revisão e reformulação de seus poemas, fossem inéditos ou já publicados. Bandone do caverá é o nó entre o recente e o remoto na poesia de Oliveira Silveira. Na segunda parte, um pequeno acervo de textos dá conta de esboçar a figura do jovem poeta em formação (final da década de 1950), e, ao mesmo tempo, aproximá-lo do poeta já consumado, experimentando outros aspectos da tarefa poética, é o caso da tradução parcial ou em progresso do Cahier d’un retour au pays natal de Aimé Césaire, empreendida por Oliveira Silveira (meados da década de 1970) que publicamos, e de um metapoema, de forte traço irônico, escrito nos anos de 1990.
Na apresentação de Oliveira Silveira – Obra reunida procuramos projetar o grande poeta sobre a figura do decisivo intelectual e militante negro. Pois entendemos que a poesia se constitui como um tipo de linguagem que não é nem “verdade” nem “mentira”, senão que tem um estatuto próprio. Portanto, se for preciso, mesmo que provisoriamente, encaixar Oliveira Silveira na moldura do poeta participante, ele só o será, no nosso entender, segundo a acepção que Mario Faustino (1930-1962) empresta ao qualificativo, a saber, seu apetite de linguagem será “participante como a poesia deve ser participante, i. é., em todos os sentidos: cultural, social, existencial, político, estético. Participação nos destinos do homem e nos destinos da poesia”.
O percurso poético de Oliveira Silveira projeta o poema como uma fatura sígnica cuja existência não pode se justificar apenas para servir às necessidades de certas interpretações, por mais bem intencionadas que elas sejam.

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