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Toda poesia Paulo Leminski




(fragmento de artigo cuja a íntegra se encontra em Sibila: http://sibila.com.br/critica/uma-analise-da-poesia-de-leminski/9496)

Nota avulsa ao livro Toda poesia Paulo Leminski. Depois da divisa “repetir para aprender; aprender para criar”. Leminski propôs o seu “aprender para chamar a atenção”. No filme It might get loud há uma cena onde aprendemos a eficiência precária do truque do chute na cadeira, truque que com relação à performática do músico serve de análogo ao estratagema da sacada na poesia de Leminski. Na cena em questão, Jack White canta e toca num piano desafinado e encardido o blues “Sittin’on top of the world”. Junto ao músico se encontra um menino que interpreta o próprio White aos 9 anos de idade, quando a música se aproxima do seu desfecho o guitarrista, num crescendo, começa a executá-la uma oitava acima, levanta-se da cadeira onde estava sentado e, enquanto toca com energia os derradeiros acordes, ensina ao menino, ele mesmo, o seguinte: “If you want to the girls to pay attention, kick that chair...”, e dá um chute na cadeira. É mais ou menos assim que entendo a “sacada poética”: um gesto caprichoso que pretende dizer para a audiência que o executante requer seu reconhecimento e atenção.
“Lida hoje, a poesia de Leminski se ressente da ausência do seu criador. A consideração objetiva dos seus gestos verbais nem de longe permite ter uma ideia da energia que os animava, e que provinha daquilo que não era texto: a construção de uma figura pública de alto poder de sedução” (Paulo Franchetti dixit). Para usarmos uma máxima popular, no caso do uso pesado, em Leminski, da sacada ou da tirada, a cachaça efetiva não é propriamente a arte do poeta, mas, sim, sua audiência, seu público. Para Décio Pignatari um poema é como uma pessoa, isto é, um poema deve ser amado e não explicado. Mas no que respeita ao caso de Paulo Leminski, o poeta parece se projetar um passo adiante do poema; é o criador que quer ser amado.
Há muito de pop e algo de rock (doença infantil) na poesia de Leminski. No universo da música pop, há quem afirme que um sucesso deve ter uma melodia (ou um refrão) “que grude que nem chiclete”. Quando o compositor alcança tal resultado ele pode dizer em tom propiciatório: “habemus hit”. Me parece que a cada poema Leminski  persegue esse verso que deve grudar que nem chiclete, a cada poema ele pretende realizar um tal acabamento que não deixe outra alternativa à audiência senão proclamar à viva voz o trocadilho “habemus hit”. Um pouco como testemunho de um período e de uma geração, Leminski padeceu de uma ininterrupta convalescência da juventude; e tal como boa parte dos seus iguais não conseguiu sarar direito dessa paixão. O trabalho ou, melhor dizendo, a atitude de Leminski perante a linguagem foi ficando cada vez mais previsível com o passar do tempo, e em função dessa facilidade que rotineiramente fazia o poeta perder o poema, mas não a rima, sua poesia começou carecer de existência efetiva; quando muito, o que lhe restava era imitar a si mesmo.

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