CAIR DE COSTAS (poesia 1992-1983)
Sandro Ornellas em resenha para o Cair de Costas
Éblis, 2012.
Cair de Costas, de Ronald Augusto, tem de ser lido como um esforço programático contra o beletrismo retórico de certa poesia mais reconhecível (como poesia) e contra o discurso do bom burguês embranquecido nos racismos brasileiros. Sendo ambos os esforços as duas faces da mesma moeda. Nos espinhosos versos de Ronald (que aqui reúne seus cinco primeiros livros de poemas), beletrismo e racismo são senha e contrassenha de uma mesma história que entende a transparência da comunicação como meio de hegemonia (também racial). Daí a tática do poeta: desnaturalizar vocábulos, escurecer significados e confrontar o senso comum (literário ou não) com uma sintaxe esburacada, proveniente de uma fala gaguejante somente discernível como um pretoguês poético. Por isso opta pela linguagem cheia de (re)quebras, arestas, fraturas e buracos negros dos sentidos, onde o leitor some após alguma estocada de desengano: “não prestei o menor esclarecimento / ao otário do meu chefe / fui na cidade faladeira me provalecer / com a bonitinha da botica // o preto aprecia uma complicação // mina / ela amarra o lenço no pixaim / fica coçando a xota / e diz quase em canto / prefiro acabar nova nova”. A poesia de Ronald passa a milhas do que hoje é a jovem poesia que bomba no mercado editorial e é moda nos cadernos e sites culturais. Mas sua tradição é bem brasileira, a de um construtivismo mesclado com calão satírico das ruas: “arrumo nos lundus / mais lentos as duras / descobertas que fiz / as iluminuras // de dor que por tudo / calculei quem sabe / nem tanto tomara / proveitosa agave // tão sem meias setas / e certa e exausta / salvam-se as negras / de tudo que fausta”. Difíceis, esses poemas fazem cair de costas, mas todo bom leitor, à semelhança de bom capoeirista, sempre sabe cair quando empurrado para a roda do jogo que essa poesia propõe.
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