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ruffato: na hora certa, mas convencional



sou meio faísca-atrasada no que toca aos fatos do momento. confesso que só há pouco fiz a leitura do discurso de luiz ruffato proferido na abertura da feira de frankfurt. sinceramente, não fosse pela polêmica precedente, levada a efeito por um coletivo de escritores negros, a propósito do perfil dos autores escolhidos para representar o brasil no evento, a peça retórica de ruffato seria inócua. não nego a significação, o simbolismo do gesto, e, até mesmo, a percepção da oportunidade, entretanto, não dá pra negar também que o conteúdo do texto enfileira uma dúzia de clichês sobre os problemas brasileiros sabidamente checados e que estão na base de nossa formação, enfim, o prosador apresentou um discurso cuja repercussão – exceto talvez para algum extremismo de direita – atende à sensibilidade da maioria, ou àqueles mais ou menos indignados com a situação histórico-social do país. com efeito, gregos e troianos curtiram o teor do texto. sei que muitos não vão tolerar meu ponto de vista, mas o discurso de ruffato lembra o dever de casa de um brasilianista aplicado, porém convencional; um editorial bom-moço aparentado a uma espécie de fogo-amigo; uma minuta de um político mediano de centro-esquerda. o lance é que ruffato fez isso desde uma das instâncias da corte ou desde um ponto avançado do antigo centro. o tal do "simbolismo do gesto" contra o prestigioso pano de fundo da feira alemã foi o que, de fato, pesou. ruffato falou, tá falado. engraçado – mas nem tanto – é que a aparente atitude radical de paulo coelho que disse frankfuckyou!, isto é, desistindo de participar do evento, motivado (quero crer) talvez pelas mesmas questões de fundo do já célebre discurso de ruffato, não causou tanta comoção junto à opinião pública. o velho e bom prestígio das altas literaturas segue sendo eficiente. ah, e a noção de que a literatura, isto é, escrever, significa estabelecer um compromisso com uma agenda positiva, divisa que, no discurso em questão, parece falar por si só, sem mais, merece ser mais debatida. sim, desenvolva isso, meu caro escritor, meu igual.

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