A finalidade sem fim kantiana na poética de Ronald Augusto
Por Adriano Nunes
[Tradutor e poeta. Autor do livro "Laringes de Grafite" (Vidráguas, 2012) ]
Quando um livro são cinco, por onde começar? O que parece ser uma
resposta fácil não é. A obra "Cair de costas" (Éblis, 2012) que reúne
os cinco primeiros livros do poeta Ronald Augusto e um plus "scriptio
defectiva" já provoca desde a sua sistematização um problema analítico: os
livros surgem em um decrescendo temporal, isto é, começam pelo fim, numa
armadilha literária e lógica que remete, a priori, à prima pergunta deste
artigo: por onde começar? Se se arrisca a seguir a numeração sequencial das
páginas far-se-á uma viagem de 1992 a 1983, isto é, regredir-se-á da obra de um
poeta já maduro (diga-se aqui: com sua técnica bem delimitada, sua poética já
identificada consigo enquanto labor e vontade de expressão artística, seu traço
já marcante, próprio, autoral. Não que desde a obra inaugural não se percebam
tais traços, mas que neste ponto dos 90s a identidade do poeta se revela 'de
motu proprio') ao poeta que se lança, com "Homem ao rubro", à crítica
do leitor. Para evitar ficar impregnado pelo 'error in judicando' quanto ao
fator temporal, resolvi ler os poemas aleatoriamente. E escolhi um poema
lapidar "Quadras de destrinça II" (p. 146) para aplicar o dito
kantiano de que um poema é uma finalidade sem fim: (Lembro que, ao fim do livro
do poeta Ronald Augusto, há um detalhado estudo crítico sobre a poesia de
Ronald feito pelo crítico Cândido Rolim.)
A primeira quadra do poema constrói-se magistralmente num intercalar de versos medidos que obedecem à métrica 6/5/6/5. A segunda quadra com 4/5/4/5. A terceira com 5/5/5/5. Eis parte da estrutura formal.
Há uma bela construção de rimas na segunda estrofe, com deslocamento silábico e um alongamento com uma fusão que vista desmontada parece mágica. Vejamos: "o seu continua " "nossa vida mesmo" "austral doçura ao/ luar esculpida". E na terceira quadra, a ambiguidade denunciativa e crítica: "cria das senzalas" "criadas senzalas".
Para Immanuel Kant, um poema é uma finalidade sem fim porque basta a si. Deve em si mesmo encerrar a beleza de ser um poema, de não ter utilidade alguma. Quando atende a valores estéticos, quando vale por si, um poema brilha. Esse fulgor é reconhecido desde a época dos aedos gregos, da poesia oral. O ápice de um poema é ser considerado um poema e vingar poema. Como arte. Como o belo poema "Quadras de destrinça II " do escritor Ronald Augusto. Como a poesia dos cincos livros de Ronald, poesia que se apodera da técnica concreta e "grita a canção nossa", como uma "porrada" e que "depois confere uma nota à toa aos seus gritos e gorjeitos", contra o racismo, contra as convenções desgastadas. Sem fim.
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