Ronald Augusto[1]
Xirê,
a festa, a invocação do intelecto que gira sobre si mesmo no redemoinho do
mundo. Dança e contradança do ori entre as palavras. Orikis heterodoxos da
indeterminação. Por seu turno, Dú Oliveira conhece por contato a determinação
da poesia rumo à ambiguidade: “nas asas/
da/ palavra/ e/ dos/ mistérios/ e/ intenções/ não reveladas// serei/ eu/ a/ dizer/
da/ festa?”. E aqui vai minha evocação: Roman Jakobson, estudando o “riso
ritual” no contexto medieval, argumenta que é “a hilaridade que possibilita ao
homem comum terreno reafirmar-se face a face com o Misterioso”. Em termos
antropofágicos a alegria é prova dos nove.
Em Xirê Dú Oliveira afivela sobre o próprio rosto a persona cambiante do ator ritual e assim
se transfigura álacre a cada poema jogado. O poeta feito oficiante experimental.
O jogo ritual com a linguagem sabe a uma definição de poesia. E tal jogo alcança
o mundo interior na superfície mesma do exterior. O poema sempre como um jogo
de corpo em vista da harmonia essencial com o mundo. Os giros de Xirê: “giraginga”, “oxunlíneas”,
“mundubantu”. As regras públicas do
discurso sob o efeito do giro ritual da poesia.
Dú Oliveira põe em cena,
à sua maneira, a divisa
carrolliana segundo a qual, no que toca à poesia, a questão é fazer com que as palavras signifiquem
tantas coisas diferentes: “pureza
de espinho/ ponto riscado/ redemoinho”. Também
carrolliano o riso sem rosto do poema, a alegria de uma forma significante que
subsume o poema; nada além desse jogo que faz o poeta-oficiante levado
(transnegressor) ser levado a aparecer no mundo.
Xirê
se revela por inteiro na seguinte metáfora descarnada, mínima, imaginada por Dú
Oliveira: “lê/ di-versão”; um toque divergente, exorbitante. Todo o muque no couro
da linguagem. Xirê, tanto o visível
que se projeta sobre o legível, como o invisível (orum) que se demora sobre nós
como um sopro afogueado. Xirê,
incandescente; o poeta no corpo a corpo dançante com matéria viva e metafísica
do poema onde anda todo o mundo.
[1]
Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha
(1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente
no blog www.poesia-pau.blgspot.com
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