A
ESPESSURA OSSAMA DO POEMA
Ossama (Letras
Contemporâneas e Editora da Casa) é o novo experimento neossimbolista – prefiro
esse epíteto a neobarroco como meio de aproximação à áspera poesia – de Dennis
Radünz. Entenda-se “experimento” como conquista, determinação inventiva, e não
como acontecimento invertebrado ou sem desdobramentos. A ossama (puzlle perverso) textual toda empilhada;
os destroços de tradições e rupturas. Pilhagem de linguagens que entranha o
corpo fraturado do poema. Análogos à imagem das estátuas jacentes metaforizadas
por João Cabral, os poemas de Dennis Radünz falam do rosto e do sobrerrosto, da
carne e da política, da cédula e do sangue, entretanto, todo esse conjunto de
cifras corrosivas, inicialmente evocativo de certa realidade, só faz a poesia
de Ossama se indispor (no sentido de
uma negatividade crítica) radicalmente com o real.
Não há sangue em sua
poesia, Dennis Radünz abole personalidade e emoção atingindo o nervo de uma
linguagem irredutível à nostalgia do estilo; toda a teatralidade é descarnada
até o osso do signans (o aspecto
sensível e por contato direto do signo estético), e tal como as estátuas de
Cabral, os poemas de Ossama carregam
em seu centro “veias de arame rígido”, mas sua intrínseca intransigência estética
migra para a verdade objetual do poema em sua superfície, quer dizer, os poemas
estão sempre estranhamente vestidos de sua morte: “a carne de cordato/
umbilical (os dois olhos de cultura)/ mas se desnaturou/ ao ler caída a folha
fêmea”. Ossama
varre os restos mortais e linguais da cidade, da sociedade e dos discursos da
estupidificação que se sedimentam no pensamento. Ossama, espécie de ultima
verba que reencarna sua aspereza dúctil no tempo através da consciência da
imperfeição da linguagem; imperfeição por meio da qual a poesia se plasma e
esbarra, realizada, em uma razoável incomunicabilidade, no fracasso exitoso do símbolo;
a face ficta do poema: “deserções
(uma desaparição que fica)”.
A poesia de Dennis Radünz,
cujos questionamentos – sejam sobre os limites da expressão verbal, sejam sobre
os limites da representação – o fazem suspeitar do objeto resultante da
nomeação, é uma ferramenta com que o poeta se revira; se escava; se extravia. Não
se pode afirmar que em Ossama
o poeta faz a opção pela arte em prejuízo da vida, como se dera uma piscadela
de olhos ao simbolismo lato sensu de
que às vezes é filho. Não é isso que está em questão, afinal, Dennis Radünz
sabe que a vida e seu verismo, há muito, estão sujeitos a “uma falha no sinal
de vídeo”. Por essa razão a linguagem de Ossama
eviscera sem comiseração os signos do nosso tempo. Ossama: esse corajoso sinal de menos da poesia “em mesa posta para
o espírito escasso”.
[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e
ensaísta. É autor de, entre outros, Homem
ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões
Aplicadas (2004), No Assoalho Duro
(2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente
no blog www.poesia-pau.blgspot.com
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