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espiral zeosória

espiral zeosória 

[poema do livro inédito Entre uma praia e outra]                                                                                       

findo abestalhado    acabado e
acabo de ler zeosório blues
de edimilson de almeida pereira e só presto agora para anotar
passar a essas linhas
um pouco da zoada
que este livro   alto volume   provocou
no oco da minha idéia

no início (narciso
) parecia estar lendo lambendo livro-primo
do meu homem ao rubro
a oralidade atravessada
a gramática anômala
a sintaxe pé-de-chinelo (sub
úrbio orbitante exorbitante) mescalino-canora
mesclada a uma esgarçada algaravia roseana
hummm
mas essa referência assim-assim “fora de lugar”
queda
bastante rebatida   esfumada mesmo  ao fundo
não chega (nem alcança) a pôr unhas de fora
não embola a
poesia de edimilson
que soube   a tempo   torcer-lhe o pescoço

antes
o irredutivelmente pessoal de sua lingua
gem ganha todos os costados do livro e o
espaço do vazio papel secundado pela brancura  

e leio edimilson e ele contente
por trazer os índices (enguices) linguais do
job de campo   jogo de trampo   gênio do corpo
oralidade   orilibertinagens    fala dos nomes próprios feito ex-
libris
intraduzíveis   biografemas involucrados invocados
mitos   personae: “soar através de”   suas máscaras

“você me conhece?”
a epígrafe certeira sagital
do pernambucano que engoliu
a música e
tinha o teclado do piano por dentadura

num lance do caminho
tinha o marfim e o ébano

zeosório
desconcertante
perdi o rebolado em muitas passagens
o discurso vem dar   vai     é na praia
da página     sapecado com o magma algarávico
do sentido em deriva   o barroco é mais embaixo
mas já forcejando faro fino a porta de entrada do
antro de um sentido provável que é
meta
morfose    metáfora    imagem    um móbile
sem óbices

zeosório multivalente
hermético & pop
o título mesmo já dá conta
dessa dialética    do oximoro

o livro finta    parece perder as estribeiras
mas logo ali
incrivelmente se concentra
embicando sempre por negaceios
na direção do seu além-terreiro: uma
ruína    não demora muito
é muro
arquitetura

zeosório instável    groovioso    zaúmjazz
o exoesqueleto de uma certa dicção doutora envelopa
a duras penas a polpa repleta
de nervuras da analógica (poesia) e suas
“ilusões rascantes”   quero dizer e digo   não sei se mal    que em
muitos poemas
um fraseado de escalpelo (apalpadela interpretante que sonha
silêncio búdico relativamente ao que não pode ser
dito) e de cercamento do inteligível
é levado ao extremo da alucinação figural
o movimento esbarrado do esclarecimento ao
escurecimento como epifania

o que ele diz (o
fraseado) ao fim
e ao cabo não é para
qualquer
dr.
não-sinhô dos desprazeres
que não sabe escrever uns passos-letras de samba
que abusa de palavrinas que não o fazem cagar duro

ao invés
zeosório vem mestre-sala    meneio de abas
veste de dobras e sombras    e no
seu rádio-marmita
tresanda todo o mundo
inclusive principal
mente o da
linguagem

zeosório    soul     la nada
sou eu lendo o de-saborear  de edimilson de almeida pereira
familiaridade de música calada
na voz de muitos cantores identificados por iniciais
capitulares
molambos de malungos para
enfim

“para essas coisas/ não temos frase”
mas ritmo e
“é o músico que o/ desdobra”



janeiro, 2003

                                                                                            



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