O
pensamento-arte de Traços
A história das ideias
registra algumas ocorrências, mas não muitas, de estudos devotados a investigar
as relações entre poesia e filosofia. A julgar pela escassez dos
empreendimentos críticos relativos ao tópico, talvez cheguemos à conclusão de que
a tarefa seja, de fato, árdua ou, ao contrário, perfeitamente desinteressante.
Uns poucos filósofos (María Zambrano, Theodor Adorno, Benedito Nunes...) dispensaram
atenção ao problema e outros poucos escritores mais ironizaram a coisa do que a
levaram a sério. Jorge L. Borges, por exemplo, diz que a filosofia não é senão
um gênero literário. Para Ezra Pound, a logopeia – a dança do intelecto entre
as palavras –, essa forma, entre outras, de carregar a linguagem de significados,
oferece ao poema as condições para que ele se desvele como um experimento
também filosofal; que o poema instaure o seu modo de filosofar.
A
verdade é
Que
o mundo
Não
cabe dentro
Do
silêncio
Em alguma medida, Traços (Editora Patuá), de Anelito de
Oliveira, parece hesitar entre essas duas frentes. Por um lado, seus lancinantes
gestos crítico-especulativos afirmam que o insumo originário da filosofia vem
de reiterações e algaravias de caráter aforismático, de imagens da aporia, isto
é, de modos precários e inventivos de linguagem de que nos servimos para
representar um mundo vertiginoso; por outro lado, as ideias encapsuladas nas
escassas e ermas palavras de cada poema do conjunto, sugerem ou simulam (porque
em arte tudo é engano) o nascimento de um inusitado filosofar, isto é, mais do
que investigar as interações entre a poesia e a filosofia, o que Anelito de
Oliveira faz em Traços é dar um passo
de dança em direção a uma filosofia da
poesia.
A
cada deslocamento
Um
pensamento
Me
desloca
O que permanece
esboçado. O que desentranhamos ao fragmento. O que sobra da filosofia como
documento. O que o corpo se permite como ensimesmado monumento para o outro, e
afetado por uma sequência de intempéries. O sopro do verso que é do corpo, esse
pensamento vivo, que volta ao andamento do poema e que diz que há bastante
prova de filosofia em não pensar em nada. A arte da demora na brevidade excruciante
de Traços: em poesia interessa o que
(não) é filosofia; em filosofia interessa o que (não) é poesia.
[1] Ronald Augusto é poeta, músico,
letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair
de Costas (2012), Decupagens Assim (2012),
Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente
no blog www.poesia-pau.blogspot.com e escreve
quinzenalmente aqui no http://www.sul21.com.br/jornal/
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