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traços de anelito de oliveira


O pensamento-arte de Traços

Ronald Augusto[1]

A história das ideias registra algumas ocorrências, mas não muitas, de estudos devotados a investigar as relações entre poesia e filosofia. A julgar pela escassez dos empreendimentos críticos relativos ao tópico, talvez cheguemos à conclusão de que a tarefa seja, de fato, árdua ou, ao contrário, perfeitamente desinteressante. Uns poucos filósofos (María Zambrano, Theodor Adorno, Benedito Nunes...) dispensaram atenção ao problema e outros poucos escritores mais ironizaram a coisa do que a levaram a sério. Jorge L. Borges, por exemplo, diz que a filosofia não é senão um gênero literário. Para Ezra Pound, a logopeia – a dança do intelecto entre as palavras –, essa forma, entre outras, de carregar a linguagem de significados, oferece ao poema as condições para que ele se desvele como um experimento também filosofal; que o poema instaure o seu modo de filosofar.

A verdade é
Que o mundo
Não cabe dentro
Do silêncio

Em alguma medida, Traços (Editora Patuá), de Anelito de Oliveira, parece hesitar entre essas duas frentes. Por um lado, seus lancinantes gestos crítico-especulativos afirmam que o insumo originário da filosofia vem de reiterações e algaravias de caráter aforismático, de imagens da aporia, isto é, de modos precários e inventivos de linguagem de que nos servimos para representar um mundo vertiginoso; por outro lado, as ideias encapsuladas nas escassas e ermas palavras de cada poema do conjunto, sugerem ou simulam (porque em arte tudo é engano) o nascimento de um inusitado filosofar, isto é, mais do que investigar as interações entre a poesia e a filosofia, o que Anelito de Oliveira faz em Traços é dar um passo de dança em direção a uma filosofia da poesia.

A cada deslocamento
Um pensamento
Me desloca

O que permanece esboçado. O que desentranhamos ao fragmento. O que sobra da filosofia como documento. O que o corpo se permite como ensimesmado monumento para o outro, e afetado por uma sequência de intempéries. O sopro do verso que é do corpo, esse pensamento vivo, que volta ao andamento do poema e que diz que há bastante prova de filosofia em não pensar em nada. A arte da demora na brevidade excruciante de Traços: em poesia interessa o que (não) é filosofia; em filosofia interessa o que (não) é poesia.



[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente aqui no http://www.sul21.com.br/jornal/


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