O que fazer com o
esteta e o moralista?
A estética, ao que
parece, é um campo hesitante e algo controverso, capaz de, inclusive, confundir
o interessado quando sua consideração a propósito do tema se dá, por exemplo,
através dos termos dos pensadores do idealismo. De outra parte, aísthesis, o conceito grego de onde se
origina a disciplina, significa sensação, sentimento. Mesmo que,
historicamente, seja considerada como um ramo da filosofia, a estética aqui e
ali é representada como uma disciplina meio lateral ou menos estável, afinal, a
investigação estética não se dedica necessariamente a formas artísticas
constituídas; seu interesse, de vocação esclarecida e racional, por experiências
da sensibilidade e do afeto que se relacionam a uma série de objetos, a coloca,
no entanto, constantemente em situações movediças e fungíveis, ainda mais
quando se trata de determinar a precisão dos juízos e conhecimentos pretendidos.
Um argumento que
sustentaria a tese da instabilidade da estética e de sua condição subsidiária
dá conta de que se quisermos compará-la a outros ramos da filosofia, vamos
concluir que é muito jovem ou recente, isto é, o debate a respeito ainda não se
apóia em uma longa tradição. Essa tradição de textos e visões estéticas ainda
seria incipiente? Talvez sim, porque a disciplina só vai conquistar certa
autonomia no século 18, graças ao idealismo alemão. Antes disso, apesar da Poética de Aristóteles ou do tratado Do Sublime
de Longino, o pensamento da Antiguidade, grosso modo, se debruça sobre as
relações entre o Belo e as artes ou dedica atenção às formas e manifestações
simbólico-intencionais que se apresentam relevantes socialmente.
Contudo, se quisermos
conceder crédito à idéia de que a tradição de textos e visões estéticas ainda
seria incipiente, então, neste caso podemos aventar a hipótese de que é uma
questão de tempo até que a disciplina venha se tornar um ramo mais maduro da
filosofia, pois à medida que as disputas comecem a se constituir em argumentos,
em discursos e textos sobre a matéria, ela terá chance de se revelar como um
campo interpretativo nem tão secundário e nem tão vago assim. Por outro lado,
há o entendimento de que um dos problemas da estética é justamente a
dificuldade de determinar qual o seu objeto, qual a matéria da estética.
Nem a repetitiva
questão “O que é arte?” serviria como a base sobre a qual a análise estética se
assentaria. A expressão-indagação não é tão clara e auto-evidente como parece,
uma vez que, como já dissemos, a estética tal como é admitida hoje, não se
refere apenas aos objetos de arte. Em alguma medida sua interpretação parece
recair sobre os modos como a recepção é afetada por experiências sensíveis quer
sejam artísticas ou não. Isto é, dizer
que a estética tem a arte como objeto não resolveria o impasse. Ou isso talvez
até resolvesse, não fosse o conceito de arte
algo tão fugidio e plástico. Tendemos a reconhecer que desde as vanguardas da
virada do século vinte e as posteriores rupturas pós-modernas e contemporâneas
uma definição de arte se torna cada vez mais distante de nossos esforços.
Aliás, há quem afirme mesmo que o que interessa em arte é a antiarte. Pode ser. Entretanto, me parece que sempre foi
muito árduo pensar tanto sobre objetos artísticos, quanto sobre nossa relação
com eles. Mas disso não se segue que as investigações devam ser canceladas.
Analogamente, com
relação à ética também não é nada fácil pensar sobre nossas ações e suas
consequências na interação que levamos a efeito com os demais sujeitos sociais.
Isso quer dizer que a afirmação segundo a qual a questão decisiva da ética
seria, por exemplo, “como viver uma vida boa”, também pode ser interpretada
como uma questão que nem sempre dá conta de traduzir as contradições do esforço
ético tanto em dimensão investigativa quanto em dimensão prática. Ou, de outro
modo, qual a efetividade das teorias e dos tratados morais da tradição
filosófica, seja sobre nossa forma de pensar a respeito do assunto, seja de um
ponto de vista normativo? A este propósito, cabe lembrar que o moralista
imaginado por Nietzsche é um sujeito que entende a moral como algo a ser
interrogado, como um problema, algo que a qualquer momento pode ser posto em
questão. Para Nietzsche o moralizar representaria, portanto, um gesto imoral.
O esteta se torna um
impostor quando, ao invés de investigar, pretende arbitrar uma decisão sobre nossos
juízos de valor e prazeres quanto às experiências sensíveis, apresentando uma
solução, por exemplo, para o problema do gosto, isto é, se seríamos reféns de
convenções determinadas social e culturalmente, ou se o gosto e a sensibilidade
teriam sua justificação em aspectos subjetivos ou arbitrários. Por fim, a
investigação estética não precisa ceder à panaceia relativista, nem ao fervor
analítico que defende a fruição pura ou desinteressada. Talvez um punhado de
ceticismo, sem outro interesse que não o respeito crítico à impertinência do
pensamento, fosse útil para o caso.
[1]
Ronald Augusto é poeta, letrista e crítico de poesia. Formado em Filosofia pela UFRGS.
Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012),
Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro
(2015) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/
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