No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula, publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação:
“Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a participar intensamente da ‘festa do intelecto’ que é a poesia. A riqueza leonina de sua trajetória poética permeia e orienta boa parte das nossas específicas propostas de linguagem, inclusive as que, por um benéfico sentido de irreverência, parecem bater de frente com aqueles lições de poesia assimiladas a partir do contato com a sua obra. A obra orgulhosa de um poeta, ou melhor, de um homem que como ‘você sabe uma faca abrindo fendas/ na carne um raio um terremoto um mar’”.
OBRIGADO, MINHA TERRA
(Oliveira Silveira)
Obrigado rios de São Pedro
pelo peso da água em meu remo.
Feitorias do linho-cânhamo
obrigado pelos lanhos.
Obrigado loiro trigo
pelo contraste comigo.
Obrigado lavoura
pelas vergas no meu couro.
Obrigado charqueadas
por minhas feridas salgadas.
Te agradeço Rio Grande
o doce e o amargo
pelos quais te fiz meu pago
e as fronteiras fraternas
por onde busquei outras terras.
Agradeço teu peso em meus ombros
músculos braços e lombo.
Por ser linha de frente no perigo
lanceando teus inimigos.
Muito obrigado pelo ditado
“negro em posição é encrenca no galpão”.
Obrigado pelo preconceito
com que até hoje me aceitas.
Muito obrigado pela cor do emprego
que não me dás porque sou negro.
E pelo torto direito
de te nomear pelos defeitos.
Tens o lado bom também
- terra natal sempre tem.
Agradeço de todo o coração
e sem nenhum perdão.
(Pêlo escuro, 1977)
Comentários
Abraços!
Cambiando el tema, ontem o poeta português, Luis Serguilla me ligou e falamos longamente na sua poesia, Ronald, e na profundiade dos seus textos críticos.
Grande abraço! Sigamos em frente, a partir dos ensinamentos que recebemos de poetas como Oliveira e Arnaldo.
Lau
Airton Araújo
Dizem que pessoas como Oliveira Silveira não morrem nunca, tamanho o grau de sua luz, de sua luminosidade. Somente os iluminados deixam algo marcante para a posteridade. Oliveira Silveira era um iluminado. Destes que costumam surgir de cem em cem anos. Um homem íntegro, dedicado e com um pensamento muito além de seu tempo. Um visionário. Conseguia reunir numa só idéia a radicalidade e a serenidade. Um homem que lá nos idos dos anos setenta parecia utópico ao renegar o 13 de maio e evocar Zumbi dos Palmares até então pouco referido. O tempo demonstrou que tinha razão Oliveira e hoje Zumbi e o 20 de novembro estão na agenda política e cultural de muitas cidades do Brasil. Quem sabe não ainda na forma como Oliveira gostaria. Tive a honra de participar a convite dele da Associação Negra de Cultura. Numa de nossas reuniões/aulas, Oliveira expôs sua grande inquietude do momento: substituir no hino riograndense a frase "povo que não tem virtude acaba por ser escravo" Dizia ele com razão que os negros tinham virtude sim, e não foi por falta desta, que os fizeram escravos. Tive então uma pequena noção de quão sábio e combatente homem eu estava diante.
A história em geral e a do movimento negro em particular costuma produzir poucos líderes que reúnam capacidade intelectual e militância política. Oliveira possuía estes dois elementos e sabia utiliza-los com maestria e habilidade. Nestes dois aspectos, desconfio que o nosso movimento negro ficará órfão por um bom tempo. Homem político sem ser partidário, tinha sérias restrições e críticas aos militantes negros dos partidos políticos. Era comum, vez por outra, recorrer ao professor para sanar dúvidas sobre conceitos e literatura. Sempre cordial e espontâneo demorava-se ao telefone explicando e professorando acerca de tal tema. Certa vez me socorri ao mestre para tirar uma dúvida sobre a dificuldade de declarar a raça num filho de casal inter-racial. Segundo ele, em primeiro lugar, não bastava declarar-se negro, teria que agir como tal; em segundo lugar, seria negro este filho, se, na ausência do pai negro ou da mãe negra, outras pessoas percebessem sua negritude. A partir daí, em vários momentos de minhas conversas no meu cotidiano, costumo utilizar esta conceituação do Oliveira para desnuvear alguns equívocos. Um homem soberbo e incansável, sempre desenvolvendo e articulando algum projeto. Quiçá, ainda nem quisesse partir na certeza ainda de algo a ser feito. Na epígrafe do meu trabalho de conclusão da graduação em ciência política está lá um poema do Oliveira muito providencial e atual: eu bato contra o muro duro/esfolo minhas mãos no muro/tento longe o salto e pulo/dou nas paredes do muro duro/não desisto de forçá-lo/hei de encontrar um furo por onde ultrapassá-lo
A última vez que falei com Oliveira foi durante a euforia da vitória de Barak Obama, onde surgiram vários debates na mídia tentando comparar a situação dos negros brasileiros e a dos negros norte-americanos. Oliveira havia indicado o meu nome a uma emissora de rádio. Disse-me ele ao questioná-lo sobre o porquê do meu nome, visto que, na minha visão, teria inúmeras pessoas tão ou mais qualificadas do que eu. Oliveira contra argumentou que precisávamos levar a estes espaços pessoas com “bom conteúdo teórico”. Vindo de quem veio, considerei este elogio como se tivesse tirado uma nota dez. Descanse em paz mestre.
Quem tiver estes livros envie-me por gentileza.Estou pretendendo desenvolver um estudo sobre algumas obras Oliveira da Silveira, os livros que pretendo utilizar são: Germinoiu, Poemas sobre Palmares, Pêlo escuro, Roteiro dos Tantâs, Praça das Palavras e Banzo saudades negras. Por gentileza se tiveres em PDF envie-me.
Att,
Jaime Nascimento