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item: fortuna crítica decupagens



decupagens assim

por Roberto Amaral[1]

ronald espraia sua verve crítica, acurada e apurada, do ensaio a polêmicas artísticos-culturais, da prosa à música, da poesia a pintura, com, inclusive (pasme-se), uma imersão na arquitetura, e faz isso brioso e ciente, b
em distante da timidez com que o incauto enfrentaria tais assuntos. o cara diz o que diz porque o cara tem rodagem e voltagem.

claro que senti falta de uma palavra sobre a forma artística das mais apreciadas pelo ronald, o cinema, conforme o título de seu livro de ensaios sugeria metaforicamente (decupagem: planejamento da filmagem, a divisão de uma cena em planos e a previsão de como estes planos vão se ligar uns aos outros por meio de cortes), mas é certo que ele deve estar urdindo algo a respeito.

sem dar moleza ao leitor (‘Quando o poeta resolve escrever crítica, prefácios, ensaios, etc., ele não tem a pretensão de socorrer o leitor’) usa de uma linguagem que o obriga a percorrer de cima a baixo os seus, ora densos, ora enigmáticos textos, sem descanso, obrigando-o, muitas vezes, ao gesto preconizado por roland barthes: ‘ler levantando a cabeça’.

ronald, quando crítico (mas também como poeta e como músico), se arrisca dionisiacamente. seguindo a recomendação baudelairiana da parcialidade crítica, não titubeia em dar nome aos bois, em colocar em questão unanimidades (caetano veloso, manoel de barros, monteiro lobato, mia couto), em obrigar o observador desatento a olhar o panorama artístico-cultural hodierno de viés, já que o buraco pode estar mais embaixo, conforme recomenda neste trecho em tom de divisa: ‘À liberdade de criação do autor, podemos propor uma equivalente liberdade de leitura crítico-criativa que inere ao desejo de linguagem do leitor. A crítica não é senão um exercício de leitura. Uma leitura possível’.

ao concluir a leitura de ‘decupagens assim’, do ronald augusto, senti como que minha dicção tivesse incorporado o travo de sua iconoclastia, tanto no ler como no escrever. amém.



[1] Roberto Amaral é escritor, autor de Le mot juste (romance, Orobó Edições, 2011) e Paul Ricouer e as faces da ideologia (ensaio, Editora da UFG, 2008). Editor de Palávoraz – Literatura e Afins (http://www.youblisher.com/p/829468-Revista-Palavoraz/). Escreve na coluna O mal-entendido universal da Germina – Revista de Literatura e Arte (http://www.germinaliteratura.com.br/). Revista Palavoraz | PDF Flipbook www.youblisher.com

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