(para Cândido Rolim)
Talvez tenha me faltado ser mais preciso quando afirmei, a certa altura de “Revistas literárias e seus tarados protetores”, texto há pouco publicado em http://www.sibila.com.br/batepro133revistas.html, que o tempo, ao fim e ao cabo, é que promove o estabelecimento das linhas de força das tradições - projetadas, inclusive, sobre o presente -, e baliza nossas escolhas valorativas. Não se trata de cruzar os braços. Muito menos de reforçar a chapa convencional do interlocutor que se omite frente à exigência de tornar público, ou de pôr em perspectiva, uma ponderação de valor a respeito do que quer que seja, (des)dizendo: só o tempo dirá.
Talvez também seja desnecessário dizer - em todo caso, vá lá - que a menção ao “tempo” não pretende reforçar um sentido divinatório, oracular, utópico, que seguidas vezes creditamos a esse “ser de engano” de que dispomos com a presunção de ordenar o funcionamento das coisas. Assim, dentro de um sentido lato em torno à idéia de um percurso de tempo necessário para que aquilo que importa se descole da indiferenciação circunstante, sancionada, ou até mesmo, exigida pelo processo, identifico a necessidade do debate, do confronto, da produção, e da recepção inteligentes acerca dessas realizações poéticas em jogo no emaranhado do sistema literário, tal como o conhecemos.
Muito bem, “aquilo que importa”, assim como o “tempo”, enfiado numa espécie de segunda identidade seletivo-crítica, são extensões, concreções simbólicas dos pensamentos e das vontades de todos os envolvidos na cena. Isto é, uma sucessão de interlocuções controversas, simultâneas ou não, formam a imagem e o ideário, provisórios, a partir dos quais revogamos uns e inauguramos outros parâmetros.
Isso que é destilado ao tempo - metáfora de vozes que se enfrentam no âmago da tradição, cujo acabar-começar vem dar num aqui -, não é nem a excrescência, nem a dádiva de um “Senhor tão bonito”, como diz a canção do compositor baiano. Essa “última palavra”, que no texto em pauta faço questão de conceder ao tempo, é uma conquista. Resultado de um esforço multifário e sem margens.
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(para Ricardo Silvestrin)
No panorama da poesia atual é inegável que há um grupo de bons poetas. No entanto, tal constatação não invalida minha afirmação (que se lê no mesmo texto publicado em Sibila) a propósito de que os poetas relevantes para o país estão todos mortos. Por outro lado, quando sublinho isso, não procuro reforçar a idéia poundiana de que “os poetas são as antenas da raça”, ou de que devido à obediência a um comando de natureza épica, inerente à formação mítica do seu ser, que os poetas, através do domínio do “gênio da língua”, seriam os responsáveis pelo lançamento da pedra fundamental de suas civilizações.
Não sei se, por exemplo, Itália, Portugal e Brasil seriam muito diferentes do que são, caso Dante, Camões e Manuel Bandeira não tivessem nascido respectivamente nestes países. Eles se tornam relevantes e inescapáveis talvez porque mais do que explicarem suas culturas, propõem leituras e abordagens que, no mais das vezes, entram em choque com projetos ufanistas de construção de uma identidade e de um verismo nacionais.
No caso brasileiro, graças às mitologias - e por meio das linguagens - de poetas como, por exemplo, Gregório de Matos, Sousândrade, Mário de Andrade, Raul Bopp, José Paulo Paes e João Cabral de Melo Neto, experimentamos a possibilidade do irredutível da nossa intimidade imantar-se com a superfície atritante do tecido político-social. Não por coincidência, vários dos poetas relevantes aqui arrolados são representantes do alto modernismo, cujas análises e manifestações artísticas denunciam uma vocação contraditória na afirmação de suas narrativas e de seus discursos fundadores.
Grosso modo, os poetas modernos se (re)voltam (com) para o futuro dando as costas para o presente, porque a bem da verdade suas obras escavam os sambaquis, as tumbas e os despojos do passado. O presente, calcado sobre as ruínas de duas guerras, se projetava para um futuro opaco. A poesia moderna conhece os desterros de tempo e lugar. Olhando daqui para fora, cabe mencionar ainda Ezra Pound e T. S. Eliot, dois poetas modernos de língua inglesa, que descobrem sob as ruínas do seu momento histórico, as ruínas de uma tradição mais heróica, ática, clássica e ordenada.
Alguns poetas relevantes e suas contradições: o tedesco-gaúcho Raul Bopp bate em retirada de um sul-sudeste que se industrializa e topa a selva e a “água inchada” do mundo amazônico pré-lógico. Sousândrade coloca o tema econômico-financeiro na ordem do dia da poesia e desde o círculo ínfero de Wall Street, escreve: “- Brasil, é braseiro de rosas;/ A União, estados de amor:/ Floral... sub espinhos/ Daninhos;/ Espinhal.... sub flor e mais flor”. Relevem a hiper linguagem e mais linguagem. Mário de Andrade alarga os limites do desvairismo da sua e da poesia do seu tempo, inventando, em prosa, a rapsódia de um índio negro que vira um branco macumbeiro. Macunaíma migra do sertão selval para a cidade modernista, multissígnica e art déco, e, ali, sua utopia é triturada como num moinho.
Naturalmente, temos um número razoável de bons poetas representando a poesia contemporânea no Brasil. Já há algum tempo venho escrevendo sobre alguns deles - a esse propósito, aconselho uma rápida visita ao meu http://www.poesia-pau.zip.net. Mas é necessário que outros também o façam, e que, se possível, apresentem outros nomes. Escolhas entre os escolhos. Fazendo isso o analista se situa, ou seja, diz de onde veio e, talvez, para onde e com quem vai.
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