Não são poucos os que se referindo ao poeta Charles Baudelaire como “romântico”, utilizam-se do termo em tom acusatório. Outros apontam sua falta de convicção, de conhecimento, de constância. Um desses críticos escreve: “ele pode mudar sua fisionomia como um condenado em fuga”. Baudelaire escapa de raspão ao romantismo, por outro lado, não chega a se inscrever na irmandade simbolista. Ele é não-romântico e não-simbolista. Confisca de ambas as ficções os insumos que considera indispensáveis para tornar possíveis, isto é, imateriais, “les grands ciels qui font rever d’éternité” sua Paris material. Estamos, portanto, diante de um poeta, ou melhor, de um homem que inventou um assunto: a metrópole moderna. De certa forma, Baudelaire nos legou um questionamento que chega até os nossos dias sem que se tenha produzido uma solução para o mesmo. E a pergunta subjacente ao seu percurso de poeta-crítico pode ser assim formulada: a metrópole é arte ou não-arte? Nos “Quadros Parisienses”, a metrópole-arte se abre em labirinto estético, monturo glamourizado, morredouro-nascedouro de signos na devoração das próprias entranhas. Ao fim e ao cabo, a Paris histórica, civil, cidade em obras, se submete a um déficit de realidade porque se reflete e se anula no atrito com esse verdadeiro “poema visual transitável” - para usar a denominação com que Joan Brossa (1919-1998) intitulava suas obras espacio-corporais -, a metrópole-arte de Baudelaire: réplica satânica e lésbica que emerge do plano-piloto dos seus versos.
(excerto de ensaio publicado em critério)
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