Pular para o conteúdo principal

3 poemas traduzidos

Tradução de poemas de Ronald Augusto[1], do livro Cair de costas.

Tradutoras Tiele dos Santos Kawarlevski e Karina de Castilhos Lucena[2]



Poema 1




ver de
testigo
                                                                                  ver de
                                                                                  vertigo




*




ver de
imagem
                                                                                  ver de
                                                                                  vertigem




Poema 2 

KÂNHAMO/KAÑAMO









 




POEMA 3

6.

gregório de mattos  oco olho do cu do
inferno sermão cego naso torcido
                                                      asco
cascos sobre macegas
                        mestre-esfola capitão do mato
caçando silvestre
cardozo
                  cidadão branco decretado
preto
                  estátua de granito denegrido
                  porque como qualquer
preto


mau cheiro nos calções
encagaçou-se diante do mar
numa hora de grave corisco


coisa que está na medida para


um preto é um branco sem caráter
sem espírito sem um pensamento sequer
que se morda (que se meta) a si mesmo


o barroco boca


meu sangue de sibas
esta sibila numa prosa perturbada
tratando de pegá-lo no
                                    contrapé
                                    através


de um expediente contra-espião
                          contradefinições às
suas difamações preconceptuosas
entendidas


por seus comentadores (morcegos
vampífaros cegos
) comensais como sendo
                                     apenas


a pena desigual e multifacetada e carnavalesca e em
perfeita condição isomórfica e a mais mundana e a 
mais desaforada e autônoma (da colônia) pois
neste caso à parte não é o poeta
quem maldiz: é a linguagem
ela mesma em toda a
sua


radicalidade


diluindo à risca por rabiscos análogos
fica assim:


até mesmo um
poema racista
                                glosa soneto asnote seja
                                que burla
pode obter sem óbices os
préstimos interpretativos (
capanga retaguarda) do
paradigma mallarmaico



*


6.


gregório de mattos hueco ojo del culo del
infierno sermón ciego naso torcido
                                                           asco
cascos sobre masiegas
                           maestro-escuece capitán del mato
cazando a silvestre
cardozo
                        ciudadano blanco decretado
negro
estatua de granito denigrado
porque como cualquier
negro


mal olor en pantalón
se encagazó frente al mar
en hora de grave chispazo


cosa que está en medida para


un negro es un blanco sin carácter
sin espíritu sin un pensamiento siquiera
que se muerda (que se meta) a sí mismo


el barroco boca


mi sangre de sepia

esta sibila en una prosa perturbada
tratando de tomarlo
                        a contrapié
                        a través


de un expediente contraespía
                        contradefiniciones a
sus difamaciones preconceptuosas
entendidas



por sus comentadores (murciélagos
vampífaros ciegos
) comensales como siendo
                                   apenas


la pena desigual y multifacética y carnavalesca y en
perfecta condición isomorfa y la más mundana y la
más desaforada y autónoma (de la colonia) pues
en este caso apartado no es el poeta
quien maldice: es el lenguaje
él mismo en toda
su


radicalidad



diluyendo en exacto por garabatos análogos
queda así:



incluso un
poema racista
                                   glosa soneto asnote sea
                                   que burla
puede obtener sin óbices el
patrocinio interpretativo (
capanga retaguardia) del
paradigma mallarmeico








[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blgspot.com

[2] Tiele dos Santos Kawarlevski é aluna do Bacharelado em Letras – Tradução Português e Espanhol (UFRGS) e Karina de Castilhos Lucena é professora do Instituto de Letras da UFRGS.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dá licença, meu branco!

Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a

TRANSNEGRESSÃO

TRANSNEGRESSÃO 1              No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão mínimos índices de informação verb