Não
sei se o caminho ou o espaço da atividade crítica será em definitivo o da
internet, digamos apenas (de um modo bem cauteloso) que, neste momento, é aí
que ela tem se manifestado de maneira mais avassaladora e complexa. Por outro
lado, quando
o jornal e o jornalismo – tidos e havidos até há pouco como as plataformas da
intervenção crítica – disputam o qualificativo “barato”, na esperança de falar
o mais rente possível aos desejos dos seus leitores, o resultado imediato é a
depreciação da possibilidade de alguma forma de análise. O fato de a internet (blogs e redes sociais) ser um território, em certa
medida, mais democrático ou anárquico, parece dar margem tanto para a mais
destemperada opinião de seguidores do que quer que seja, quanto para a viabilidade
de um pensamento crítico, vamos dizer assim, não tutelado. O interessante é que
o juízo crítico nunca cessa; queiramos ou não sempre iremos topar maus, bons ou
excelentes críticos e escritores. Não posso afirmar se essa migração da crítica
de suporte papel para o âmbito virtual é um fato consumado. Há muitos modos de
exercer a atividade crítica. Cada meio engendra um determinado estilo de
crítica que lhe é coerente. Estamos no interior deste processo, afinal de
contas. Mas o que se publica na internet é de fato uma forma efetiva de
crítica? Tenho minhas dúvidas.
Talvez o que me
incomode seja essa sensação de que fazer crítica hoje tem mais a ver com o
humor, e com um humor do tipo stand-up,
do que com qualquer outra coisa. Entretanto, essa espécie de humor não consegue
– ou nem quer – ocultar sua escatologia reacionária. Dizem que a melhor crítica
é aquela que incorpora algo de ironia e humor. Pode ser. Só não concordo que no
bojo desta atividade a última palavra tenha que ser concedida ao humor. Assim,
em que tom os instrumentos da crítica são executados na internet? Pela reação,
o mais das vezes, contrária a um movimento crítico de corte mais severo (ainda
que lançando mão de algum flair play), o que sinto é que o slogan
contemporâneo para essa atividade do pensamento poderia ser algo do tipo
“sejamos críticos, mas nem tanto”.
Sobre a questão da proliferação de crítica na
internet como um fato que talvez aproxime o leitor da atividade e amplie seu
raio de atuação e se a internet, por sua vez, provocou mudanças na crítica
(como leitura radical das condições políticas, culturais e sociais), me parece natural
que isso aconteça. Mas essa aproximação causou o seguinte fenômeno: há a
circularidade de uma presunção que pretende substituir outra, isto é, o
discurso do crítico propositivo ou vertical (em processo de extinção, pois não
capitula ao que quer que seja), que o senso comum enquadra dentro do
estereótipo do sabe-tudo, se choca com a falação do leitor-internauta
respondão, que acha que pelo simples motivo de pagar seus impostos em dia tem,
portanto, o direito de replicar à vontade, estando ou não ao lado da razão.
Ambos os discursos como que se anulam na intransigência do “direito à expressão”,
compreendido aqui como lugar comum retórico.
Exemplo dessa
situação de mero bate-boca e fanfarronice a que foi rebaixado o diálogo crítico,
são as análises – se é que podemos designá-las assim – relativas ao PT e ao seu
governo. Grosso modo, de um lado do corner estão os antipetistas e, do outro
lado, os militantes fervorosos. Se esse teatro ainda faz algum sentido é
somente durante as vulgares e folclóricas campanhas eleitorais, e olhe lá. O
fato é que no intervalo entre os discursos reativos dessas duas equipes (ou
torcidas) não é tolerado nenhum movimento crítico capaz de denunciar as
imposturas tanto destes como daqueles, com vistas a um entendimento razoável
sobre a coisa. Quem se arvora a ocupar esse vazio crítico é tachado de adesista
e/ou de reacionário. A figura do intelectual como um outsider, isto é, um sujeito não devotado às agremiações políticas,
porém às ideias, e que tinha em Milton Santos o seu grande representante, parece
ter caído em descrédito. Enquanto isso os antagonistas supracitados se encontram
diariamente nas redes sociais. Cospem – uns nos outros – trocadilhos, vídeos e
memes protagonizados por Marilena
Chauí e Luiz Felipe Pondé. A crítica com boa justificação soa como um
preciosismo, tudo é só curtição e humilhação.
Assim,
fico com a sensação de que, por enquanto, a ampliação dos espaços (via
internet) para a atividade crítica cresce na mesma medida em que decresce a
qualidade interpretativa e discursiva dos confrontos críticos que aí se praticam.
Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor
de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012),
Decupagens Assim (2012) e Empresto do Visitante (2013). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com
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