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Mostrando postagens de março, 2017

Ofendendo sem ofender: o contínuo da estupidez

Ofendendo sem ofender: o contínuo da estupidez Ronald Augusto [1] Sim, Daniela Mercury se “fantasiou” de Elza Soares, isto é, de negra, em homenagem ao dia do empoderamento negro. No próximo carnaval vou me fantasiar de branco em homenagem à imbecilidade da branquitude. Ou ainda, como uma espécie de variante, posso fazer mais radicais essas “ideias de jerico” do preconceito homenageando o dia do orgulho gay travestido de Fred Mercury, isto é, de gay. A cantora sem noção do axé chiclete inventou uma outra versão para a tola afirmação de Vinicius de Moraes que uma vez se autoproclamou “o branco mais negro do Brasil”, ou seja, disse a baiana animadora de trio: “Eu sou Michael Jackson ao contrário, eu adoro ser negra...”. Quando ela acha que “é negra”, o tempo todo ou lá de vez em quando? Durante o ano fiscal ou apenas nos dias de carnaval? A coitada acha que é moleza ser negra. A branca não sabe o que é viver um dia de negro no Brasil; sequer o que é viver um dia de

cohab pestano

cohab pestano onde é pelotas, afinal de contas? uns concordam que é no laranjal. ou que é ali no mercado e suas imediações a biblioteca o quindim de nozes. os doces negros dos negros de pelotas muitos juram que é onde pelotas. têm aqueles que vão convencidos de que pelotas é algo dos ramil. de que pelotas agora é outra que é outra onde angélica freitas. onde é giba giba, afinal, pelotas? é ainda pelotas ao final de tantas? pelotas até cohab pestano onde extremo o aeroporto é pelotas. esgoto a céu aberto onde o pestano a contragosto é pelotas. onde é o povo negro no pestano a poeira das ruas de terra e chão. o ir e vir do povo do pestano onde afinal é pelotas, a que eu sei.

fortuna crítica: Poesia Anti-proeza

Poesia Anti-proeza Cândido Rolim [1] Às vezes desconfio que o poeta-crítico Ronald Augusto, dono de uma inusitada forma de ligar-se “ao mundo dias-pórico das letras” e de um salmodio lacunoso e áspero, negue-se a escrever qualquer coisa que possa resultar em algum esboço de realização ou ponto de chegada. A natureza esquiva de seu texto, que a rigor não se presta somente a um projeto definido – livro, tal como acostumamos a manuseá-lo, desvia-o radicalmente dos trilhos de uma estética avassaladora, patética, da poesia como proeza demonstrável. Seu texto, principalmente agora “por ocasião de”   No Assoalho Duro   (Éblis, Porto Alegre, 2007), parece menos resumir uma vontade específica de construção plástica, que cumprir uma etapa de exercício crítico. Tal ousadia, composta pela difícil interligação pensamento-arte, resulta em alguns poemas que, negando uma linha pormenorizada e programável de elaboração e acesso, compõem uma arena de impasses significantes.   Esse comp

Os poemas que nos esperam

Os poemas que nos esperam Claudio Cruz [1] O amor está fora de moda nos meios intelectuais. Roland Barthes Less is more . A célebre frase do arquiteto Mies van der Rohe parece acompanhar desde o princípio, como um baixo contínuo , a já longa produção poética de Ronald Augusto. Make it new , a não menos célebre formulação de Pound, também o acompanha desde sempre. Poeta clara e inequivocamente estabelecido dentro de uma tradição da poesia moderna que prima acima de tudo pela invenção , tendo como princípio um construtivismo rigoroso, e que teve e tem no Concretismo o seu programa estético mais consistente no âmbito da poesia brasileira, Ronald Augusto encontra-se aqui com o mais tradicional de todos os temas presentes na literatura do Ocidente, ou seja, o tema amoroso. Para mim, que acompanho mais de perto a sua trajetória poética desde a década de 1990, pelo menos, foi com absoluta surpresa que me deparei com À Ipásia que o espera . Diga-se de imediato que o tema amo

Leitura como trabalho

Leitura como trabalho Ronald Augusto [1] Há muito tempo minhas leituras deixaram de ser desinteressadas. A leitura de prazer quase acabou para mim. Agora o que anda sempre ao alcance da minha mão são obras de filosofia com que preciso me haver sem grandes alternativas, inclusive porque estou cursando licenciatura nessa área. Ao longo de 2016 precisei ler, por exemplo, Hegel (capítulos da Fenomenologia do Espírito ), Axel Honneth ( Luta por reconhecimento , quase todo) e, desgraçadamente, fui obrigado a retornar à Crítica da Razão Pura de Kant. Também voltei a ler Hannah Arendt, o que foi um alívio. Grande filósofa. Por outro lado, devido a um curso de poesia que ministrei recentemente em Porto Alegre, retomei a leitura de quatro poetas de que gosto bastante: Mallarmé, Joan Brossa, Orides Fontela e Sousândrade. Eles estão reunidos sob a metáfora das vozes poéticas que colocam em suspeição o real de que somos filhos e reprodutores. Por diversas vias o curso tratava (e

Ninguém me pediu, mas vai assim mesmo

Ninguém me pediu, mas vai assim mesmo Ronald Augusto [1] Ao contrário da minha geração, muitos escritores e poetas negros mais jovens começam a sua formação tendo já como tradição um grande número de obras de artistas que se assumem negros de modo mais ou menos alusivo em seus textos. Isto é, esses jovens escritores trabalham a partir de uma literatura negra já constituída e ao mesmo tempo em processo. Essa conquista precisa ser festejada, trata-se mesmo de um lugar que devíamos alcançar e alcançamos. A partir desse ponto não há mais retorno. No entanto, quando comecei, na década de 1980, havia pouca produção literária negra e o pouco que havia era tremendamente desconhecido e – por razões que o racismo naturalizado explica muito bem – negligenciado sem mais. Por outro lado, isso só se tornava um drama para quem tinha, como eu, algum interesse em buscar e discutir as condições de possibilidade de uma produção literária de autoria negra. Pois havia e há diversos autores

Dois absurdos

Dois absurdos Ronald Augusto [1] Primeiro O negacionismo de nossa formação no tocante às questões raciais se manifesta de variados modos. Se não, vejamos. Algumas pessoas tentam livrar a cara de intelectuais e personalidades do passado (Monteiro Lobato foi um deles), fervorosos defensores da eugenia, por exemplo. Os seguidores-criadores das fanpages desses figurões brancos argumentam que eles eram apenas fruto de uma época onde essa ideia era aceita ou generalizada sem mais. Com isso tentam dar uma dimensão antes culposa do que dolosa às suas intervenções. Mas se levássemos a sério a defesa acima, então alguém poderia afirmar o seguinte: “Ah, sim, de fato, tanto é verdade que todos os negros africanos do período colonial cruzaram voluntariamente o atlântico para viver uma vida de escravo ao pé do sinhozinho mais próximo, pois estavam bem informados acerca do conhecimento e das ideias de seu tempo e, naturalmente, aceitavam-nas”. Reductio ad absurdum I . Meu ca