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Mostrando postagens de 2013

felizmente passou

Se os bons escritores apelam à relevância da crítica, os maus escritores a fazem necessária. Bons livros tornam possível e louvável a crítica que reconhece e traz à superfície as qualidades de tais obras. Mas os livros ruins – ainda mais quando tidos e havidos por obras sérias – afirmam o gesto indispensável da crítica que procura revelar esse blefe. Portanto, é justo que sejamos gratos – e críticos com relação – aos livros ruins e àqueles que, seja por boas ou más intenções, tentam nos passar semelhante conversa. Isto posto, passemos ao comentário propriamente dito. Entre as três leituras significativas, deste ano de 2013, que gostaria de destacar – coerente com o parágrafo acima e atendendo à solicitação do Edson Cruz, editor do site de literatura e arte http://www.musarara.com.br/ –, confesso que apenas uma foi efetivamente surpreendente, ou seja, prazerosa, e, por isso, começo por ela. Trata-se do livro Las montañas del oro do poeta argentino Leopoldo Lugones, um do

a múltipla verdade de pau de mulungo

Daniel Rosa dos Santos é um escritor malandro, quer dizer, sua aposta, sua incisão particular, não está interessada na manutenção da Literatura como sistema; como escritor malandro ele quer perpetuar, na precariedade da fruição, o valor suntuoso do texto; seu ego scriptor não tem muito que ver com a imagem do competente e pálido escritor contemporâneo. A empreitada do livro feito no muque, livro feito à mão (um feito de prazer análogo ao do texto), materializa nesse gesto de oficina irritada (artesanato não-mercantil) a imaterialidade de sua escritura, que é tanto malandragem quanto linguagem. A prosa de Daniel Rosa dos Santos é malandra também na acepção em que Antônio Cândido, no estudo “Dialética da malandragem”, caracteriza o romance Memórias de um sargento de milícias , de Manuel Antônio de Almeida, como o paradigma do “romance malandro”. Um desocupado escritor convoca um desocupado leitor a um jogo de enganos. Pau de Mulungu é mais um lance desse jogo: perpétuo móbile

a música de madiba

Confesso, em primeiro lugar, que o teor destas anotações relativas a Nelson Mandela e a uma série de coisas que no momento cercam sua figura, será um tanto aleatório e subjetivo; seria descabido tentar fazer as vezes do historiador ou do sociólogo. Meus pontos de vista sobre o assunto são parciais, isto é, por óbvias razões (ao menos para mim) tomo o partido de Mandela. De resto, com um rápido lance de dedos no teclado do computador ou na tela do tablet, o interessado estará às portas da Wikipedia e aí encontrará muita informação sobre Mandela. Ezra Pound disse em algum lugar – se a memória não me engana – que todos os homens deveriam se unir para cantar o Ulysses de James Joyce. Com o pedido entusiasmado, Pound procura dar conta da importância de tal obra, tanto para o seu tempo, como para o que viria a seguir. Trocando duas ou três palavras da frase de Pound, ela caberia à perfeição para traduzir meu sentimento e o de muitos outros em relação a Nelson Mandela e sua simbolo

sem maldizer

Chão que se foi / ronald augusto [guitarra e voz]  Quem sabe o lado certo de onde vem  O que já foi deixando só escuridão  Quem sabe o lado certo de onde vem  De onde vem  Vento de então  Céu de não mais  Mar sem depois  Chão que não foi  Além do lado esquerdo o que que há  O pé do bêbado lambe a solidão  Além do lado esquerdo o que que há  O que que há  Chão que se foi  Sem perceber  Toca o vazio  Sem maldizer  [guitarra: leandro theisen; baixo: rogério gil; e na bateria: cristiano ungrad]

empresto do visitante, meu igual

Empresto do Visitante pode ser comprado na página da Editora Patuá: http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=193&Itemid=53 Sobre o livro: Contra o gelo do mainstream poético Frédéric Martel afirma, no livro   Mainstream – a Guerra Global das Mídias e das Culturas   (2012), que a poesia morreu, embora sobreviva em pequenos nichos sociais, sem influência alguma sobre a sociedade. Acrescento: ela, no Brasil, quase sempre feita em prosa de comunicação, não traz,  em si mesma, instrumentos culturais concretos e eruditos a permitir o confronto com tal quadro.  Há exceções e, entre elas, encontra-se a poesia de Ronald Augusto, um pensador independente. Seus poemas revelam leitura atenta de algumas tradições, para reativá-las de modo crítico, a desafiar a ordem vigente da indústria do entretenimento e o   statu quo   da própria poesia, hoje, submetido a esta ordem da diversão, do subjetivismo e do narcisismo, efêmeros. U

vinicius e seu orfeu blackface

Notas sobre alguns aspectos da peça Orfeu da Conceição de Vinicius de Moraes. A dita “tragédia carioca” foi encenada pela primeira vez em 1956 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Embora a obra de Vinicius de Moraes seja, sob vários aspectos, desbravadora, pois o poeta, se antecipando a muitos autores teatrais, a escreveu para que fosse encenada por um elenco de atores negros – fato até então inédito – revela, mesmo assim, em sua narrativa, representações estereotipadas com relação ao negro. Além desse dilema de fundo, pode-se levar em consideração o êxito de forma com que Vinicius de Moreas, nesse esforço de recriação do mito de Orfeu, transcultura, em termos de sincronia, um item do legado clássico para o interior do tempo que lhe cumpria viver, reinventando-o no cenário de um morro carioca em meados dos anos 50. Não me parece inviável uma leitura onde se considere que os termos “tragédia carioca” podem dizer disfemicamente ou que representem por ausência, por apa

ruffato: na hora certa, mas convencional

sou meio faísca-atrasada no que toca aos fatos do momento. confesso que só há pouco fiz a leitura do discurso de luiz ruffato proferido na abertura da feira de frankfurt. sinceramente, não fosse pela polêmica precedente, levada a efeito por um coletivo de escritores negros, a propósito do perfil dos autores   escolhidos para representar o brasil no evento, a peça retórica de ruffato seria inócua. não nego a significação, o simbolismo do gesto, e, até mesmo, a percepção da oportunidade, entretanto, não dá pra negar também que o conteúdo do texto enfileira uma dúzia de clichês sobre os problemas brasileiros sabidamente checados e que estão na base de nossa formação, enfim, o prosador apresentou um discurso cuja repercussão – exceto talvez para algum extremismo de direita – atende à sensibilidade da maioria, ou àqueles mais ou menos indignados com a situação histórico-social do país. com efeito, gregos e troianos curtiram o teor do texto. sei que muitos não vão tolerar meu ponto de

fortunate senex

vá de valha , na abordagem de ricardo pedrosa alves [Ricardo Pedrosa Alves (1970), autor de Desencantos mínimos (Iluminuras) e Barato (Medusa). Publicações em revistas e jornais de poesia, participações em eventos, Bienal, leituras etc. Vive em Guarapuava (PR), é professor de Ciência Política e faz doutorado em Letras na UFPR. ] benjamin e o anjo de costas de klee que não quer cores mas claro&escuro cair de costas do ronald catástrofe mas queda e não movimento ou, não continuidade mas gesto o um só da queda, mas não deserção pois cai de costas: o percurso cronológico contrariado impõe outra questão (que é na origem que termina a queda como se, também nascido do chão, e indo para o futuro, também se revertesse a caída): o atingido de frente ou, no mínimo, o que quer continuar de frente para o mundo dos vivos (e de costas para o dos mortos), certa consciência da queda (a conferir, a determinar) de quem morre&continua no mundo, ainda que. o nome? (em grego, o que

vá de retro, hagiologia!

a poesia não é salvação de nada, primeiro porque não é feita por santos, mas por homens e mulheres precários;  só quem acreditava nisso era o leminski e os que, ultimamente, vêm escrevendo sua hagiografia; por outro lado se admitirmos que ela é salvação, ela só o será à revelia do que diz, por exemplo, guimarães rosa, isto é, à revelia de que o que de fato existe é tão-só "homem humano", essa coisa limitada e frágil, espremida entre os sentidos e a técnica; e não vejo como a poesia pode ser algo fora da figura do humano e suas contradições; acho que ligar a poesia ao tópico da salvação significa encarecer apenas uma das possibilidades de relacionamento com ela e as demais formas de arte; a poesia será salvação (placebo) para quem, em função do desejo ou do desespero, a quiser como salvação. eu também já depositei confiança nessa crença de que a poesia tornaria a vida suportável ou tolerável, mas, se olharmos de perto, vamos verificar que podemos nos servir de qualquer co

a obscura poesia que veio de éfeso

Heráclito Meu propósito, nesse breve comentário [1] , é, a partir de algumas referências avançadas por Edward Hussey no ensaio “Heráclito” (em Primórdios da Filosofia Grega ), a propósito da forma do pensamento heraclitiano, chamar a atenção para a presença de aspectos da linguagem de Heráclito no trabalho poético-crítico de três autores fundamentais da tradição moderna e contemporânea da poesia, a saber, T. S. Eliot, Octavio Paz e Haroldo de Campos. Desde logo aviso ao leitor que o texto é incompleto e, em alguns momentos, não esconde seu caráter de esboço ou de rascunho. De saída é curioso notar, marginalmente, que embora Parmênides – também um pré-socrático como Heráclito – tenha materializado suas teses filosóficas em versos, isto é, tenha penetrado, pelo menos aparentemente, mais no terreno da poesia do que o próprio Heráclito (pois, ao que parece, Heráclito escreveu exclusivamente em prosa), no entanto, foi justamente a linguagem heraclitiana, ao contrário do qu