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Mostrando postagens de 2014

resposta insuficiente

“o que é poesia?” é a grande questão que move os poetas, mesmo quando aparentemente ela não vem à tona do campo de significação de seus poemas; a resposta mais fácil, resposta de bolso, talvez seja a que diz que a poesia é quando a linguagem para nela mesma, ou seja, quando o leitor percebe que a linguagem se dá em espetáculo, quando o leitor é obrigado a ver/ler o que está de fato escrito/inscrito ante seus olhos e não o que ele imagina estar sendo dito por meio da linguagem, em outras palavras, o poeta não quer dizer, ele já disse, já materializou um objeto estético-verbal significante, e que é uma coisa  polissêmica; mas se alguém nos perguntasse, por exemplo: “o que é a escultura?”. eu responderia de modo sintético apontando um espécime: o pensador de rodin . sim, mas como se faz escultura? ah, pois é. “o que é poesia?” é uma pergunta que parece supor também isso: “como se faz?” é necessário conviver com os poemas para saber o que é poesia, e não confundi-la [a poesia] com o

entrevista para o Sul21

Consciência Negra, Globeleza e homicídio da juventude: entrevista com Ronald Augusto Débora Fogliatto A população negra e parda é historicamente oprimida no Brasil, sendo excluída nas mais diversas áreas, como saúde e educação. Na cultura, a situação não é diferente. Desde a elitização do carnaval, passando pela “mulata” Globeleza sambando nua nas telas da televisão, até o homicídio da juventude, as pessoas negras são escanteadas e estereotipadas no imaginário social brasileiro. É dentro dessa perspectiva que Ronald Augusto, poeta, compositor e músico, critica os processos que cercam a representação das pessoas negras na cultura e na arte brasileira. “Acho que o Carnaval, como é atualmente, está perdendo a condição originária dele, que era uma manifestação das comunidades negras. Agora ficou muito grande economicamente, virou uma espécie de extensão daquela cenografia da Rede Globo”, ponderou, sobre a festa nacional mais famosa do país. O poeta também falou sobr

as figurações às escuras em Uma Denise

Segundo a tese irônica do poeta Décio Pignatari, uma revolução completa em literatura pressupõe duas meias revoluções, isto é, uma a se cumprir na prosa e outra na poesia. Mas essa tese admite algumas variações não menos irônicas. Se considerarmos que, grosso modo, tanto em prosa quanto em poesia – e, de resto, em qualquer forma de linguagem nomeadamente estética – existe uma tensão entre modos mais alusivos e modos mais diretos de representar a coisa, então podemos afirmar que um percurso textual completo deve, em algum momento, conciliar esses modos de representação. O fato de o escrito poder se situar mais ou menos rente a uma suposta realidade (verismo) diz algo a respeito, apenas, de sua constitutiva determinação para o indecidível. Avançar qualquer outra análise cujo parti pris despreze essa disposição significante – plasmada inapelavelmente na linguagem – contraria a moderna categoria da ficção que se constitui como um tipo de discurso que não cabe nem sob a divisa da ve

Sem acesso a seus seres-signos vitais

Anotações sobre a exposição Thomas Bernhard e seus seres vitais Período: de 16 de outubro até 02 de novembro de 2014. Local: Memorial do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Se é verdade, como afirma Thomas Bernhard, que quanto mais nos aproximamos de um escritor, mais nos afastamos dele, pois ter acesso a aspectos de sua vida pessoal e privada significa, em alguma medida, perder de vista o significado de sua literatura, então imagino que para quem o desconhecia totalmente como eu, conhecer, ainda que de modo superficial, alguns seres e signos de sua experiência trata-se de um gesto do mais inócuo voyeurismo. Por outro lado, me senti como se eu vagasse por uma câmara mortuária alheia (misto de nostalgia e pudor) ou como se eu inspecionasse o álbum-lápide de um morto com quem eu não tivesse tido a menor intimidade. No entanto, a exposição serve também de convite a um mergulho na obra de Thomas Bernhard, porque, sendo um re

PRA QUE POESIA NA ERA DA TÉCNICA?

PRA QUE POESIA NA ERA DA TÉCNICA? [1] 1 a pergunta propõe um falso problema. 2 essa indagação me parece complementar e secundária, não é essencial à poesia; a questão poderia ser apresentada, por exemplo, ao jornalismo impresso, ao teatro, ao ensino em sala de aula, às relações afetivas do nosso tempo de redes sociais. a “era da técnica” é uma instância do nosso território cultural.  a questão desenha um quadro em que a poesia se comporta quase como um glorioso anacronismo.   3 a poesia está sempre na alça de mira; de quando em quando volta a temporada de caça à poesia, ela sempre está sob luz suja dos interrogatórios; sempre tem alguém disposto a fazer o poeta objeto de uma pegadinha. a lógica da pergunta admite uma série de variações: pra que poesia na era do genocídio dos povos indígenas? pra que poesia na era da escravidão negra levada a efeito pelo poder colonial? pra que poesia na era do extermínio judaico realizado industrialmente pelo nazismo? 4 a per

Um griot que canta e conta: todos os orikis dançam

Sempre que me perguntam: qual a sua expectativa em relação ao papel do afrodescendente em nossa sociedade, hoje e no futuro? Meu primeiro impulso é responder esboçando um panorama pessimista, porque o Brasil, historicamente, dá de ombros a essa questão. No entanto, observando a coisa por outro ângulo, sou obrigado a considerar situações que, de algum modo, têm a capacidade de fazer com que minha expectativa com relação ao devir seja das melhores. Não resta dúvida de que vai demorar um pouco até que sejamos respeitados de maneira que isso não soe como um favor que nos fazem, mas estamos num caminho sem volta. Por exemplo, o uso da internet tanto como fórum de debates como de denúncia será cada vez mais necessário. Não faz muito tivemos provas disso, refiro-me à infeliz campanha publicitária que recentemente tentou maquiar mais uma vez Machado de Assis como um sujeito branco. Enfim, sempre fomos e seremos, nós negros, importantes para a sociedade brasileira, só falta que is

anticrítico

um mate com Gervasio Monchietti

Conheci Gervasio Monchietti em 2011 durante um festival de poesia em Belo Horizonte. De lá até aqui seguimos travando uma agradável interlocução por meio da internet e das redes sociais. Em 2013 participei do Festival Internacional de Poesía de Rosario, evento em que Gervasio trabalha como curador. A breve entrevista que ofereço ao leitor é mais um passo nesse processo de interlocução. Em retribuição a uma entrevista que Gervasio havia realizado comigo, resolvi provocar o poeta solicitando suas considerações a propósito das mesmas perguntas que ele havia me apresentado. Nessa conversa tentamos nos familiarizar não só com os processos criativos e as referências literárias um do outro, mas também com o desenho das forças envolvidas em nossas respectivas cenas contemporâneas no que diz respeito à poesia. Nos últimos anos comecei a observar uma aproximação mais efetiva entre poetas e escritores brasileiros e seus iguais argentinos, uruguaios, paraguaios e chilenos. Espero que e