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Mostrando postagens de dezembro, 2017

oriki de oiá-iansã

[precária reprodução de pintura de Pedro Homero] oriki de oiá oiá empurra-nuvem verte sangue cor de pitanga na esteira onde se deita guerreia com xangô a taça com que xangô se empapuça oiá dona do rebojo do paiol pomba e senhora priapéia dos raios que chamejam ao charme de sua cara de cabra preta galinha vermelha que risca o chão vermelho oiá empurra-vento oiá no olho vermelho da tempestade

uma forma de educação sentimental

Cais do alheio : uma forma de educação sentimental Ronald Augusto [1] O conjunto Cais do alheio de Deisi Beier apresenta indicativos de que um dos seus vetores temáticos e estéticos gira em torno da dialética dos espaços aberto e fechado. As duas partes em que se divide a presente obra, se não nos dão total certeza a respeito, têm ao menos a qualidade de nos sugerir isso, pois podemos supor que as seções “Enseada” e “Mar aberto” figuram mais ou menos bem e respectivamente como os sentidos poéticos relativos às formas do fechado e às formas do aberto . Outra analogia interessante diz respeito ao gênero correspondente a cada seção. Ainda que, nos dias correntes, a categoria de gênero literário esteja bastante desprestigiada – as construções híbridas parecem ser mais recomendáveis e toleráveis –, é curioso observar que “Enseada” (metáfora em sentido lato às formas do fechado) reúne um conjunto de poemas, isto é, a mancha gráfica na página nos dá a entender de que se trata

Fortuna crítica: Subir ao mural

As topografias de Subir ao mural Leonardo Antunes [1] Subir ao mural (Editora Caseira, 2017), novo livro de Ronald Augusto, apresenta uma união incomum de fatores: consegue ser uma porta de entrada convidativa à obra do poeta, notavelmente desafiadora, e, ao mesmo tempo, revela-se como um acontecimento novo dentro desse corpus , retomando poéticas consolidadas em seus livros anteriores e renovando-as com espantosa naturalidade. O livro se inicia de forma despretensiosa, com um pequeno poema posto ao fim de uma página em branco: um no inverno Valeu a pena esperar, Mergulhado na sombra quase gélida, Até ver o sol outra vez aparecer, caindo, Nesse espaço entre a copa e O horizonte mal delineado, Com sua chama exausta. Em boa hora. A página em branco com o poema ao fundo: esse uso do espaço negativo, aproveitado para acentuar a espera descrita no poema, é apenas um dos jogos estéticos no projeto gráfico primoroso da edição, tão artística quanto artes

Do mundo, suas delicadezas e alguns paranapanãs

Do mundo, suas delicadezas e alguns paranapanãs Ronald Augusto [1] Um pequeno selo ao pé do título Do mundo, suas delicadezas adverte o leitor que o mais recente livro de Erre Amaral se trata de um romance. Outros paratextos que preparam a fruição do leitor, ou seja, orelha, prefácio, texto da quarta capa, relativizam um pouco mais a aposta na crença de que Do mundo, suas delicadezas seria um romance. Deste modo surgem considerações a respeito da mestiçagem entre formas: a ida inacabada da poesia à prosa, talvez; argumentos em favor da ruptura com os modelos romanescos tradicionais e assim por diante.  Na época em que o autor andava às voltas com a escrita da obra, ele me dizia que estava escrevendo um romance, e me falou brevemente, entre outras minudências, tanto sobre a personagem principal, negra, quanto sobre o extinto vilarejo do interior mineiro que serve de pano de fundo à narrativa. O tempo passa e o livro fica pronto. É editado primorosamente pela Penalux ,

nomes à margem

Nomes à margem : um renovado eco épico Ronald Augusto [1] Agora que o leitor se encontra entre as capas de Nomes à margem podemos adiantar-lhe algo: esse conjunto de poemas revela um poeta com um enorme apetite pela narração, pela cadência da prosa. Túlio Henrique é um poeta que se decide pelo franco prosear. A formação acadêmica em História permite a Túlio Henrique apresentar-se ao leitor como um poeta historiador. Não se trata de uma contradição entre termos. Os limites entre a poesia e a história (prosa) podem ser elididos, felizmente . Com efeito, Nomes à margem opera uma ultrapassagem das convenções tanto da história enquanto narrativa, como também das convenções da poesia quando interpretada apenas na pauta da subjetividade. Se a poesia se mostra aparentemente livre para ser sacudida pelo impulso imagético, a prosa, por sua vez, pode ser vertiginosa e cair em uma espécie de torneio, de embriaguez. Por outro lado, nem uma nem outra deixam de ser significantes. Qu

a cicatriz, o silêncio

Falar em versos a cicatriz, o silêncio Ronald Augusto [1] Se não estou equivocado Na língua da manhã silêncio e sal é o terceiro conjunto de poemas de Juliana Meira. O primeiro foi Poema dilema (2009) e alguns anos depois surge Poema pássaro (2015). Entretanto, acho importante lembrar aqui uma experiência realizada pela poeta no campo das alternativas de suporte para a poesia impressa, inclusive porque esse fato reforça uma percepção que formulei sobre sua poesia a partir da leitura do livro ora apresentado – logo adiante me deterei um pouco mais sobre este tópico. Agora, menciono apenas que em uma das abas do livro Poema pássaro a tradicional nota biobibliográfica refere de forma bastante lacônica que em 2008, na Coleção Fogo do Verbo , a poeta publicou seus poemas em caixas de fósforos. Ponto. O negaceio dessa notícia que, por assim dizer, nos informa sem informar muito, me parece de grande interesse. Enquanto isso, não custa fazer com que o leitor note neste trecho do