Ao leitor a desobediência: a transnegressão crítica de Ronald Augusto Giovanna Soalheiro Pinheiro * “O compósito verbal transnegressão , cunhado por ele [Arnaldo Xavier], tenta dar conta – através da justaposição dos vocábulos ( transgressão + negro ), ao estilo de montagem cinematográfica – de uma proposta estética interessada em lesar tanto as ideias feitas que orientam nossas filosofias de vida, quanto a imagem de um cânone totalizante, “universal”, vantajoso (para quem?), a ponto de poder ser aplicado em qualquer tempo-espaço” (AUGUSTO, Ronald, p. 119). Esse fragmento, extraído do ensaio “Transnegressão”, do recente livro O leitor desobediente (2020), de Ronald de Augusto – publicado pela Editora Figura de Linguagem, de Porto Alegre – invoca-nos a uma tarefa interessada diante de nossas leituras. A palavra interessada aqui pode ser compreendida não apenas como gesto de produção crítica, mas principalmente como abertura sincrônica, para relembrar Haroldo de Ca
A perpetuação do racismo implícito que ofende sem ofender Ronald Augusto [1] O verso “povo que não tem virtude acaba por ser escravo” serve à maravilha às formas ambíguas das práticas racistas, pois ao contrário do racismo às claras ou explícito, esse verso ofende sem ofender. Se é verdade que povos escravizados não são necessariamente destituídos de virtude ou bravura (e podemos concordar nesse ponto), então mais indefensável se apresenta o significado da passagem do hino gaúcho. A condição de escravizado, ou de um povo sujeitado à força, é complexa e não se pode afirmar que essa condição indica um grupo sem valor, sem capacidade de reação. Recentemente assisti a uma entrevista do pensador Silvio Almeida onde a certa altura um dos interlocutores (um jornalista negro) comentava que de acordo com sua lembrança os pais infelizmente nunca lhe falaram com franqueza a respeito do racismo, o assunto parecia ser negado ou empurrado para debaixo do tapete. O jornalista entendeu que