Lendo Ronald Augusto
Poesia de poeta “experimental” convida ao prazer da leitura tripla
por Paulo Damin, escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
“Polêmico”, disse uma colega professora, quando o Ronald passou por Caxias, tempos atrás. Deve ser porque ele é um filósofo. Ou porque comentou a falta que a crítica faz pra literatura. Ou então porque o Ronald escreve versos “experimentais”, ou mesmo experimentais sem aspas.
As ideias dele sobre crítica e literatura são fáceis de encontrar. Tem, por exemplo, uma charla literária que fizemos com ele, neste link. O que vim fazer é falar sobre ler os poemas do Ronald Augusto.
Sabe aquela história de que é mais importante reler do que ler? Esse é o jogo na obra poética dele. Minha teoria é que todo poema do Ronald deve ser lido pelo menos três vezes.
Na primeira, a gente fica com uma noção. Que nem entrever alguém de longe na praia, ou na cerração. A gente pensa: é bom isso, entendi. Vou ler de novo pra entender melhor umas coisas aí que, se eu olhar mais de perto, vão fazer mais sentido.
Daí tu te coloca mais cômodo na cadeira. Aliás, a primeira leitura do Ronald eu também recomendo que seja feita sentado, mas na segunda, se tiver uma almofada, facilita.
É que a segunda leitura é mais delicada, já que se propõe a um reconhecimento do que tu acha que viu à distância, se propõe a um aprofundamento de uma ideia que começou a se instalar na primeira leitura. Em outras palavras, o cara lê de novo o poema pensando “será que eu entendi bem?” É aí que está o risco. Frio na barriga. Porque na segunda leitura fica evidente que cada palavrinha que o poeta colocou ali nos versos é insubstituível. Os próprios versos tu pensa: que amarração esse cara fez, hein? Daria pra ficar horas destrinchando um texto dele, o que nos faz duvidar de que tenhamos entendido alguma coisa.
É esse pensamento que nos faz ler pela terceira vez.
Ou seja, a primeira leitura te encoraja pra ler a segunda e a segunda te desarma a tal ponto que tu pensa: não é possível, eu já tinha entendido na primeira vez!
Mas é na terceira leitura que a gente fixa a confiança e o prazer estético gerados pela primeira. Vem a aceitação de que não se pode apreender tudo, nem de qualquer jeito, porque cada palavra na obra do Ronald nos atrai pra vertigem.
Daí tu te afasta de novo e, a uma distância regulada (que nem óculos, que tem que ajustar pra cada olho), tu vê com nitidez como esse cara escreve bem sobre coisas relevantes.
Depois dessa, dá pra ler mais solto, até de pé, em voz alta. Sobretudo depois que tu adequar tua voz, tua saliva e teu diafragma ao que a poesia dele pede.
Um só exemplo, tomado do livro No assoalho duro, de 2007, pra que tu possa arriscar tuas impressões e interpretações:
sonhei comigo sonho sob pórticos
de luz tropical claridade verde
que eu julgava ser o espelho onde esta
face (agora inclinada sobre linhas
toscas de recordação puramente
imaginária) espelho onde esta face
pudesse mirar-se com minuciosa veracidade
sonho de vaidade vácua
que paraíso guardará a menor semelhança
que seja com a cara inexistente que
às vezes afivelo sobre a face para
melhor me desvelar?
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