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quando o carnaval chegar


Carnaval e tolerância. O treino social encerra forte carga afetiva. A visibilidade dos negros durante o período momesco é tolerada e inflacionada (masoquismo), apenas para confirmar a regra de deflação da sua existência-presença (sadismo) subalterna no restante do ano fiscal. A mulata transfere sua “natureza” à categoria de um rendoso “emprego temporário” durante os dias de folia. O passista-gari confirma a impossibilidade de que um convencional “ócio criativo” possa vir a ser gozado um dia pelos representantes meio brancos da classe média-alta brasileira que se penaliza por não possuir a ginga, por não ser cool o bastante, etc. Portanto, só lhes resta, mesmo, abandonar-se ao trabalho, à especulação, aos seus privilégios históricos e à defesa da meritocracia no livre embate da mobilidade sócioeconômica. Dizem que o gari, tolerado enquanto celebridade (e posam ao lado dele!), é o Othello (shakespeariano e não o pequeno Grande Otelo) sem ressentimento da nossa brasilidade de “cadinho de raças”.

Comentários

romério rômulo disse…
ronald:
te deixo um abraço.
romério
Cândido Rolim disse…
A combinação suor x swing x cerveja, por um momento, parece dissolver as discrepâncias de uma relação social e etnicamente mal-resolvida. Por um instante creditam esse "milagre" às propriedades ecumênicas da farra. Após a varredura final, a cargo do gari sorrridente, fica uma nota dissonante: coisas e pessoas parecem voltar, a contragosto, a seus "devidos lugares".

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