Pó de parede / Carol Bensimon
A capa do livro me parece convencional e demasiadamente ilustrativa do clima que a autora pretende para a sua prosa, isto é, um enviesamento cult, seja no tratamento do texto, seja na cenografia onde se projeta a matéria narrada. Exceto pela capa, o projeto gráfico e a editoração são competentes.
Carol Bensimon faz parte daquele time de prosadores que estão mais atentos ao como narrar do que ao que deve ser narrado. Não é por outra razão que na orelha do livro Paulo Scott chama a atenção do leitor para as idiossincrasias do olhar de Alice (a que tipo de enquadramento ela submete o mundo que a rodeia?), personagem de um dos três contos que compõem o volume. As sutilezas e os pequenos estranhamentos psicológicos se depositam na escrita.
Destaco a utilização insistente da conjunção aditiva “e” que retarda, detém o ritmo da narrativa. Ao mesmo tempo, me parece a simulação de uma recuperação do fio do que é contato, por meio de uma brevíssima tomada de fôlego, um estratagema que o narrador-personagem lança mão para dar continuação ao escorrer da memória: “E como o dois-cinco-um estava no topo (...)”; “Aquela casa sempre fora a mais estranha e a mais polêmica de todo o bairro, e Tomás sorriu lembrando (...)”; “E bem no meio desse cubo (...)”; “...e daí os muitos verdes das plantas (...)”; “E então um táxi apareceu distante e varrendo a rua...”, etc.
Com função similar o advérbio “então” aparece no início de muitos parágrafos, como se a narrativa subisse ou descesse por um plano inclinado através de lances que nos sugerem repousos, escapes rítmicos no decurso da narração. Formulações correlatas: “E enquanto o piso estalava...”; “E de repente lá perto das casas...”; “Quando eu aparecia, Edgar já havia...”, etc.
Esse recurso expressivo conquistado em função de uma consciência de linguagem me parece um “gol de placa”.
A “bola fora” é que, de repente, nos damos conta de que as três histórias se apoiam essencialmente nesse recurso. Acho pouco.
Um guarda-sol na noite / Luiz Filipe Varella
Acho uma boa capa pelo que tem de sugestiva; limpa e quase na linha do desenho, como se fora um gesto de calígrafo. Miolo: o projeto gráfico é ruim; a fonte escolhida é decorativa e o nome do autor nas páginas pares e o título da obra nas ímpares desequilibram a diagramação. Essas informações redundantes ficam no limite de corte da folha, péssimo.
O livro é uma seleta de contos que não ultrapassam o provincianamente tolerável. Mais um contista que aceita com satisfação o imperativo e/ou a impostura do coloquial. Os personagens desses contos se espojam num naturalismo linguístico que reina, por exemplo, nas telenovelas. Um mau gosto típico da cultura pop subjaz à escrita de Luiz Filipe Varella que, naturalmente, não parece dar a mínima importância para isso.
No conto da página 35, “Do jeito que eu gosto” (e basta só esse exemplo), a promessa da perversão erótica e herética esbarra, é interrompida pela contenção carola de um lirismo de ginecologista da linguagem, ou seja, o necrófilo se lança sobre o corpo mexendo os dedos, “procurando o púbis que (...) conhecia tão bem” (grifo meu). O uso do substantivo “púbis” soa kitsch. O livro se perde numa falsa ironia relax.
Luiz Filipe Varella almeja fazer pastiches inteligentes a partir das referências da cultura do senso comum e da moral de rebanho, mas o que ele de fato consegue é uma pasta sem liga; uma prosa sem discrepâncias, efêmera feito a visualidade sem fundo da televisão.
Não encontrei um “gol de placa” sequer.
“Bola fora”: um livro que se lê só porque está à venda. Aliás, isso já se converteu num lugar-comum na economia da prosa de agora.
Comentários