A decepção anunciada por todas as rádios ao longo do dia, finalmente começava a taxidermizar os passantes. Árvores tresloucadas e faróis acesos. Não me perguntem sobre o velho. Ele despertou há pouco; a cama está quase intacta, pois ele não se move durante o sono. Boceja rouquenho. As coisas lanhadas até os ossos brancos; foi desbastado, sem dó, o sopitado rancor diário das esquinas e gentes; ficar sob essa lição deve ter sido um inferno. Nenhuma lamúria, palma e mais nada. Cada movimento esboçado sob o cobertor decrépito faz o velho se arrepender de ter acordado. Se pudesse ao menos se encolher. De nada serve a pergunta, mas vá lá: como é que essa dona foi se abandonar assim, esturricada dessa maneira? Não sei, parece que passa o tempo todo cosida aos livros! O quarto, abafado e enublado com vapores amarelos, sustenta ainda mais o silêncio do velho. Tártaro na dentadura tartamuda. Segundo me disse a linguaruda que vive para lá, depois da região portuária, foram esses livros de religião lidos e relidos com desespero que chuparam toda a vida que ela esbanjava, mansa. Numa ruína de símbolos, é assim que a pobre vai acabar. Quando o meio-dia deixou tudo assim de um jeito pasmo e árido, minha argumentação foi ouvida com atenção, figurou como um alívio para o pessoal daquele turno.
Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest
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