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poema caligráfico-visual




caligrama de Octavio Paz



Nascimento da escrita; nascimento do poema. Pesquisa semântica a partir da rasura, a imprecisão da escrita de punho. Corolário: deriva semântica. Leitor de lápis em punho que rubrica à margem do texto. A transposição do fônico para o háptico. Imagem que se materializa pela palavra; nem isso: pela rasura. Pontos átonos, fortes e fracos. Un coup de dedos. O texto artístico não deixa transparecer em sua economia genésica toda a gama de vacilações, de lituras, ou até mesmo, de escarificações envolvidas no desentranhamento do neográfico no interior das convenções do discurso literário. Dado por embalsamado — como escreve João Cabral de Melo Neto num poema —, isto é, quando acaba num livro, aquilo que era febril e fabril resta apagado de uma vez por todas, vira música calada. O poema visual nos lança sobre a superfície da materialidade textual onde deparamos esse esforço heurístico e quase que físico do escritor no corpo a corpo com a linguagem, na tentativa de reencenar a pulsão tanto indicial quanto icônica do verbal; essa “estranha esgrima”, metáfora escolhida por Baudelaire para representar o artesanato, a oficina irritada e irritante do escritor tatuando a folha incólume: Je vais m’exercer seul à ma fatasque escrime. Plongée. O acabar-começar do gesto simula o industrioso e ocioso trabalho de escrita de cada autor no encalço do melhor efeito de fundo-forma. Rosácea de pontos de vista. Precipitação em close reading na superfície abrasiva dos anagramas. Os caligramas não mostram mãos escrevendo. Mostram mãos pensando.



Comentários

Fred Caju disse…
Muito legal aqui, Ronaldo! São raros os espaços com um bom nível de informação ou que gerem debates. Atualmente o que mais vejo são espaço que querem ser curtidos a la Facebook.

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