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revisitanto fragma de cândido rolim



         Fragma menos evoca que revoga enquanto desenha, in absentia, sentidos como: permeio, incisão, inciso, separação, que são, por sua vez, congeniais ao prefixo dia, aqui, à primeira vista, apagado, recusado. No entanto, embora Fragma pareça lhe dar as costas, continua afetado por ele. Isto é, o signo lexical dia atravessa-o feito ressonância indicial. Fragma, então, problematiza-se: assignatura defectiva, traços grafológicos de Cândido Rolim. Pulsão neográfica em que a dobra alusiva se projeta sobre a elisão material: o efeito do rasgo seco desmembrando o vocábulo “dia/fragma”. Sopro de prosa que trava e trova o espírito em espiras ao redor de si mesmo.

          Cândido Rolim embaralha prosa, poesia e filosofia inventando um verdadeiro magma de linguagem que se esgalha em sintagmas, fraseados atordoantes e atordoados por filosofemas reificados, nexos e anexos fonossemânticos: objetodesejoatonoção. Coisas-palavras num árduo percurso onde representação e nomeação não se aferram às medidas do representado e do nomeado.

          A passagem inconclusa do poético (anomalia e radicalidade da linguagem) ao filosófico (significações prováveis desentranhadas à aporia e à aforia). Cândido Rolim quase nos franqueia o seu Fragma como um feixe de iluminações. Quase koans; aforismos analógikoanalíticos? A palavra-montagem ainda não é suficiente. Neste livro de álacre inteligência não se lê nenhuma sorte de “ventriloquismo sutil” associado à tradição do aforismo; isto sequer é tematizado. Na verdade, Fragma é anátema lançado contra a figura do aforismo que se fecha em arabesco argumentativo, contra o enunciado lapidar ou a anedota sofista oscilando entre irônica e oracular. Cândido Rolim ajusta seu Fragma a contrapelo do dogma e do sentencioso; conforma-o contrafragmento instado a obsedar e corroer o fragmentário enquanto norma da mentalidade contemporânea.

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