Se os bons escritores
apelam à relevância da crítica, os maus escritores a fazem necessária. Bons
livros tornam possível e louvável a crítica que reconhece e traz à superfície
as qualidades de tais obras. Mas os livros ruins – ainda mais quando tidos e
havidos por obras sérias – afirmam o gesto indispensável da crítica que procura
revelar esse blefe. Portanto, é justo que sejamos gratos – e críticos com
relação – aos livros ruins e àqueles que, seja por boas ou más intenções,
tentam nos passar semelhante conversa. Isto posto, passemos ao comentário
propriamente dito.
Entre as três leituras significativas,
deste ano de 2013, que gostaria de destacar – coerente com o parágrafo acima e atendendo
à solicitação do Edson Cruz, editor do site de literatura e arte http://www.musarara.com.br/ –, confesso
que apenas uma foi efetivamente surpreendente, ou seja, prazerosa, e, por isso,
começo por ela. Trata-se do livro Las
montañas del oro do poeta argentino Leopoldo Lugones, um dos mestres de
Jorge Luis Borges. A obra foi publicada em 1897, mesmo ano de publicação do
poema Un coup de dés de Mallarmé. Lugones
inicia seu percurso poético com Las
montañas del oro. O conjunto é cheio de excelentes poemas em prosa, mas
muitos deles conformados à métrica. Como um poeta ligado à escola simbolista,
Lugones gosta das formas híbridas, assim, ao invés de fazer uma espécie de
transição do verso medido para o livre, experimentando no meio do caminho o
poema em prosa, que é de ritmo mais distenso, ele dá à prosa o vertebrado do
verso metrificado, de onde resulta uma bela tensão. Além disso, Leopoldo
Lugones é muito bom no campo visual, tem imagens poderosas. Por divertimento,
gosto de definir Lugones como um baita simbolista francês que, por alguma
razão, resolveu escrever seus poemas em espanhol; talvez seja por isso que em
vários momentos sua linguagem acaba por neutralizar a aspereza constitutiva do
seu idioma.
A segunda leitura, que na verdade ainda não está
finalizada (falta pouco), é a Metafísica
de Aristóteles. Um clássico. Isto significa, simples assim, que deve ser lido,
ponto. Um clássico cuja leitura vale o cansaço de cursar filosofia aos
cinquent’anos da minha idade. Só mesmo um filósofo tão desanuviado – et pour cause, grego – e que opera com a
perplexidade a partir do senso comum, poderia conceber o apetite pelo
conhecimento do seguinte modo: “...devemos partir do que mal-e-mal é
cognoscível, mas cognoscível para nós, e procurar chegar ao cognoscível
absoluto, por via como dissemos, daquelas mesmas coisas de que temos
conhecimento”. Anoto que dou ênfase na passagem citada ao aspecto prospectivo
desse movimento, isto é, interessa o que nos é mal-e-mal cognoscível. Agora,
quanto à pretensão ao “cognoscível absoluto”, isto fica pra bem mais tarde.
A última leitura não chegou a ser um prazer, mas uma
enorme frustração, quer dizer, foi de “tirar o fôlego”, mas ao revés, em escala
negativa. Reli Toda Poesia de Paulo
Leminski e saí desanimado dela. E tal sensação se produziu a partir da seguinte
intuição: quando lia os poemas (as tiradas) de
Paulo Leminski era como se eu estivesse lendo poemas de poetas da minha e da
geração subsequente tal é a facilidade com que essa poesia se oferece à
imitação. Afinal, quem joga com quem? Parece haver algo de mórbido ou de
fantasmagórico nisso, porque – admitindo que o ar esteja efetivamente viciado –
tudo leva a crer que Leminski é que posa como o diluidor deles. Uma
originalidade tão pavimentada quanto exausta. Paulo Leminski sobrevive (mal
e banalmente) em seus imitadores retardatários. Com isso não isento Leminski,
em outras palavras, o retardamento poético não deve ser imputado tão só aos
seguidores e admiradores, mas ele é como que uma transformação dos predicados
da poesia do poeta de Curitiba. Enfim, já escrevi longamente sobre esse best seller de 2013 e também fui
apedrejado por isso. Não houve réplica crítica, como de hábito, mas tão só
cusparada reativa de fãs devotos do poeta judoca. Tudo bem, felizmente passou.
A todos, meus votos de excelentes leituras em 2014!
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