As
primeiras bravatas
Ronald
Augusto[1]
Bolsonaro
vetou representantes dos governos de Cuba e Venezuela no dia da possessão. Isso
passou em branco. Aparentemente teve o consentimento dos formadores de opinião.
Por outro lado, vetos como esse só aconteceram na época da ditadura, um período
antidemocrático de nossa infame história.
No
mesmo momento, PT e PSOL foram acusados de desdém às formalidades da democracia
por se recusarem a comparecer à possessão de Bolsonaro. A democracia precisa
conviver com a desobediência que desmascara as contínuas contrafações da
própria democracia.
Com
que conceito de politicamente correto trabalha um sujeito cujas ideias são
análogas às de uma grande liderança da Ku Klux Klan?
Nos
"libertar do politicamente correto"? Isso é pauta do humor stand-up.
O
governo do presidente Bolsonaro é uma ameaça. Seus integrantes e fiéis vaticinam:
se isso daí não der certo, então o Brasil vai para o buraco. É a solução final.
Afinal
de contas, até há pouco éramos comunistas ou socialistas? Dizer que o Brasil,
com o governo do poste da ku klux, agora ficará livre do socialismo, é como
dizer que a partir de hoje a nação ficará livre da praga dos cangurus que, há
décadas, desequilibra nosso meio ambiente.
O
governo do presidente Bolsonaro quer achar a "porta de saída" do
Bolsa Família para que os beneficiados não se acostumem com isso daí. Mas o
Bolsa Família já tem uma baita "porta de saída" que é o
condicionamento do recebimento do benefício à matrícula e frequência dos filhos
(as crianças) no ensino regular. Em outras palavras, trata-se de um projeto
também relacionado à melhoria dos índices de escolaridade. A safadeza do
discurso que promete nossa libertação do socialismo visa na verdade o fim de
políticas públicas como o Bolsa Família. O Brasil é um viciado totalmente
dependente de doses absurdas de desigualdade.
A
manifestação da ministra Damares a respeito de uma nova era em que meninos
deveriam vestir azul e meninas rosa, é anacrônica, sim. Porém a situação revela
algo mais grave. Em seu discurso de posse a ministra se mostrou mais
conciliadora, tudo bem que se disse cristã com um entusiasmo arrogante e meio
bobo, entretanto, no geral se manteve equilibrada. E depois? Finda a cerimônia,
já entre os seus (sua claque de fundamentalistas; no vídeo ouve-se alguém
entoando "adonai" e uma bandeira do estado judeu é sacudida), entre
os iguais ela parece ter se libertado das amarras protocolares da democracia e,
em tom meio debochado, como se estivera nos bastidores, disse o que disse como
se profetizara uma lei a ser seguida por todos, independentemente da
diversidade de convicções religiosas e filosóficas.
Será
esse o jeitão do atual governo, suas prédicas e práticas, louvar e se
comprometer com os valores ou clichês democráticos quando em público, porém,
depois, na saída do púlpito, à socapa, entre os de sua quadrilha, todos
risonhos, fazer e dizer justamente o contrário? Sim, trata-se de um governo de
fraude, mas que nem se dá ao trabalho de esperar algumas horas para se
vangloriar dos seus logros e poder rir, na intimidade indecorosa de seu bunker,
da nossa cara de tacho, cara de quem defende a democracia com tanta ingenuidade
e credulidade.
O
clichê "representatividade importa" não pode ser reivindicado nem se
aplica ao fato de não haver negros na equipe de governo de Bolsonaro. Para
todos os efeitos isso é uma boa notícia.
Não
haver negros no governo, e ainda mais nesse, não é de espantar. No mais é a
rotina que segue. Seria contraditório e um insulto se o presidente Bolsonaro convidasse
um negro para a sua equipe de governo, basta rememorar suas palavras sobre os
quilombolas.
Direita
ostentação: o doidão – não parece haver melhor epíteto –, o doidão ministro das
relações exteriores cita em grego uma passagem bíblica. Essa forma de erudição
perdulária é típica dos medalhões.
Nos
livraremos de alhos e de bugalhos: do gigantismo estatal e do politicamente
correto.
Os
discursos do presidente Bolsonaro têm a eficiência da caneta bic com que ele
simulou sua simplicidade dando possessão aos ministros.
Todas
as medidas, todas as manifestações dos representantes do governo Bolsonaro,
formam um contínuo, um só aglomerado da ideologia que começa a ser administrada
aos brasileiros. Os primeiros movimentos não se dividem entre aqueles que
seriam "cortina de fumaça" (Damares e o doido das relações exteriores,
p. ex.) e os que seriam "o que realmente importa" (Paulo Guedes, Moro
etc). Tudo segue junto e misturado. Os tuítes e as fakenews são o contraponto
necessário e complementar à agenda do ultraliberalismo econômico em curso. Na
verdade, o apoio afetivo e efetivo dos bolsonaristas ao governo depende bem
mais das bizarrices ditas por Bolsonaro nas redes sociais do que da propalada
expertise do Paulo Guedes no comando do seu superministério.
O
que tenho a dizer sobre políticos que usam metáforas de cunho futebolístico
como tradução às suas ações e propostas? Que são uns medíocres e populistas e
que desfazem com as mãos (rápidas) o que os nossos boleiros, por sua vez, fazem
com os pés divinamente.
[1] Ronald Augusto é poeta,
músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya
(1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No
Assoalho Duro (2007), Cair de Costas
(2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com
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