O viés confirmacional:
a imersão na bolha
Ronald Augusto[1]
[Basquiat]
Quando observamos mais
de perto o processo de alguns vieses cognitivos chegamos à conclusão de que nem
sempre, como gostaríamos de acreditar, sabemos bem o que se passa em nossa
mente. Ainda que, o mais das vezes, tenhamos a impressão de que nossos
pensamentos se encadeiam com coerência uns depois de outros e uns com os
outros, a questão é que nem sempre as coisas se dão dessa maneira. No geral, as
pessoas não conseguem reconstituir ou rastrear com precisão o passo a passo de
como chegaram a essa ou àquela crença em particular. Esse processo mental que
produz impressões, intuições e, logo depois, crenças que vão servir de base às
nossas decisões acontece em nós sem que, por assim dizer, sejamos informados a
respeito.
Embora as razões desse
processo nos escapem em muitas situações e, em consequência disso, nos levem ao
cometimento de erros que poderiam ser evitados, a maioria dos nossos
julgamentos e ações é apropriada na maior parte do tempo. Segundo Kahnemen em
seu Rápido e devagar – duas formas de
pensar, mesmo com alguns desvios cognitivos a maioria das pessoas apresenta
um quadro saudável em termos epistêmicos.
É comum estarmos
errados, mas a confiança desmedida em certos estados mentais não nos permite
perceber a inconsistência de certas crenças que formamos. No geral
estabelecemos um compromisso bastante conservador com nossas
crenças e visões de mundo, estejamos ou não conscientes disso; nos aferramos a
elas. Ao mesmo tempo é possível que nossas percepções, crenças, opiniões e
filosofias não valham grande coisa. Mas o impacto das formas de pensar e formar
juízos sobre nossas ações e nossas vidas é, não raro, devastador. Os
fundamentos dos vieses cognitivos, portanto, devem ser testados, confrontados,
rastreados o quanto possível, de modo que nossos juízos, julgamentos e
ações sigam sendo apropriados na maior parte do tempo.
O viés cognitivo
confirmacional se revela em situações nas quais precisamos testar hipóteses ou
nos envolvemos em algum impasse ou conflito de opiniões. Nesses casos tendemos
a dar mais crédito aos indícios e razões que confirmam o que já pensamos do que
aos indícios contrários. O que chamamos de “bolha” do facebook, isto é, a constituição seletiva ou tendenciosa de uma
comunidade de pessoas que “pensam como a gente” tem a ver, em alguma medida,
com esse viés confirmacional. Deixamos de seguir ou bloqueamos aquelas pessoas
que não pensam do mesmo modo que nós ou que em algum momento irão interpor
objeções às nossas crenças e opiniões mais persistentes.
No mundo das redes
sociais parece ser mais fácil construir relações de cunho confirmacional do que
na vida real, digamos assim, inclusive porque podemos deixar de seguir um
repentino desafeto sem que ele saiba que se tornou um desafeto e que também
deixou de ser seguido. Ao vivo e em carne e osso somos razoavelmente mais
polidos e políticos; em muitas situações apenas desconversamos. Tendemos a manipular
evidências inconsistentes na perspectiva de não falsear aquelas hipóteses ou
opiniões que de alguma maneira nos definem.
Alguns estudiosos
entendem o viés confirmacional como uma espécie de recurso natural dos seres
humanos para responder à sua capacidade limitada de processar informações, isto
é, de acordo com tal concepção em atenção aos limites dessa capacidade o melhor
seria persistir naquelas crenças que foram se formando em primeiro lugar ao
longo de uma série. Outra maneira de interpretar esse viés cognitivo sugere que
as pessoas manifestam tal desvio em função da necessidade de pesar os custos de
estarem erradas ao invés de investirem suas forças numa investigação imparcial
ou impessoal de caráter crítico-analítico. O custo de rever nossas crenças e
filosofias de vida, longamente nutridas através de interações afetivas, sociais
e culturais, seria bem mais complicado do que, por exemplo, proceder, quando
necessário, a uma série de reparos parciais em relação a elas, de modo a não
bulir muito na estrutura de nossas formas de observar e pensar as coisas.
[1]
Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor
de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de
Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de
Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim
(2012), Empresto do Visitante (2013) e À Ipásia que o espera (2016). Dá
expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e
é colunista do portal de notícias Sul21:
http://www.sul21.com.br/editoria/colunas/ronald-augusto/
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