Hingo Weber apresenta menos ao mercado livreiro-editorial do que ao pensamento contemporâneo a sua tradução - e o suplemento de um acurado estudo - de O Príncipe de Maquiavel. Com efeito, não se trata de “mais uma” tradução a uma obra que, há muito tempo, vem sendo submetida a incontáveis versões (muitas delas distorcidas), e publicadas em diversos idiomas. O tradutor, professor de filosofia, em seu estudo à obra do pensador italiano, “Maquiavel sem ideologias”, se propõe a fazer “uma leitura direta - a mais direta possível” do texto.
E o que seria esta leitura direta? Hingo Weber, enfrentando a obra em sua língua original, procura desbastar os bordões e os reducionismos que estamos acostumados a ver grudados como craca ao texto em apreço. Portanto, a escrita de O príncipe que emerge da presente tradução, não ratifica a imagem de “obra de aconselhamento e doutrinação” que certos vícios ideológicos, imiscuídos inclusive nos modos de traduzi-la, insistem em consagrar. O autor entra no pensamento de Maquiavel por meio da linguagem. Hingo Weber o interpreta “a partir do princípio e dentro da ordem das razões e das coisas propostas pelo autor”. A tradução e o estudo que a segue resgatam a “atmosfera que dá vida ao seu discurso”. A idéia, como o poema, também é feita de palavras.
Como acontece com muitos desses livros de formação e de referência a que chamamos clássicos, e, por outro lado, em virtude das sedimentações de toda ordem, sejam elas ideológicas, sejam estéticas ou morais, que se vão depositando como pátina sobre esses livros na presunção de que se lhes explicam cabalmente, acabamos dando crédito mais às versões e às controvérsias em torno a eles e deixamos de lado não apenas o texto do autor na sua integridade desafiante, mas, também, e talvez o mais importante: descartamos a chance de levar a cabo um exercício de liberdade fazendo a nossa própria leitura crítica.
A interpretação e a tradução des-ideologizadas de Hingo Weber pretendem recolocar Maquiavel e seu construto discursivo em seu devido lugar, a saber, o lugar do pensamento atento ao poder da persuasão simplificadora. Qualificativos como “dantesco”, “maquiavélico”, etc., que guardam apenas sentidos negativos ou censuráveis, mais do que simplificações são malapropismos. Isto é, idéias, ou melhor, meias idéias que falseiam e mudam as categorias e as coisas de lugar. Felizmente, o autor contrataca e põe as balizas nos lugares apropriados. Assim, Hingo Weber faculta ao leitor interessado e/ou não especializado a possibilidade de percorrer, à sua própria sorte, a selva desafiadora dessa obra que, quando lida e apresentada do modo como o autor o fez, mantém-se cada vez mais atual e necessária.
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