Hattori Tohô, um discípulo de Bashô escreve em seu Livro Branco que o canto “é uma expressão em palavras do que sente o coração”. De outra parte, o senso comum entende que a poesia é expressão do sentimento e das emoções. Esta pseudo-definição pretende significar que a poesia é pura expressão. Mas, os bichos também se expressam. Por meio do instinto manifestam satisfação, medo e raiva. Expressão é uma coisa, arte é outra.
Quando o discípulo de Bashô diz que a poesia (e por extensão a arte) é uma “expressão em palavras”, somos obrigados a reconhecer o aspecto da intencionalidade, pois há um meio através do qual e sob o influxo de uma vontade algo é expresso.
No momento em que levo em consideração o meio, isto é, uma mediação de signos, já não há mais emoção pura. O grito, o urro, o muxoxo, o suspiro, enfim, tudo isso tem que soar afinado, pois o que está em perspectiva é um canto, em outras palavras: a arte. Poesia, música, pintura, haikai.
O haikai é o elogio da lacuna, do silêncio, da ausência sem nostalgia. O haijin nos apresenta as imagens como se fossem os acentos átonos de um verso. Ele deixa de lado os acentos fortes. Uma feita, enquanto o pintor Henri Matisse desenhava uma oliveira, observou os vazios existentes entre os galhos e começou a desenhá-los. Se Matisse se detivesse apenas na representação da oliveira que pode ser vista, ou que “aparece” no mundo, estaria pondo em relevo os “acentos fortes”, a convenção... Mas, o artista, ao representar os vazios, os interstícios da oliveira, desenha, figura os “acentos átonos”: o silêncio. Calderón de la Barca nos diz que “melhor fala quem melhor cala”. João Ângelo, em seu livro Entre quatro palavras (1991), escreve poemas que reiteram as questões discutidas até aqui, um deles diz: “só conta o que não foi dito./ o resto, como em toda reza que se preza,/ só entra numa outra conta...”; e o outro é um haikai que, não por acaso, fecha o pequeno volume: “estrelas no papel/ sem nenhuma palavra/ entro no céu”.
Essa é e perspectiva do haikai. Neste espaço em branco, neste intervalo impreciso e charmoso suscitado por imagens que parecem distantes entre si é que penetra a fruição do leitor. É onde o leitor, no exercício de sua leitura criativa, vira poeta, para o bem e para o mal.
O haikai tem origem no renga, poema dialogado que em sua feição ortodoxa era feito a várias mãos e era formado por um dístico e um terceto cujas partes se encadeavam na medida em que se sucediam os colaboradores. O renga bom é aquele cuja relação entre as partes é indecidível e distante. É imprescindível em sua resolução certa dose de incompletude, de elipse.
O haikai representa uma radicalização disso, pois ele se resume ao terceto. O dístico que complementava o renga com o passar do tempo vai ficando pelo caminho. O haikai é a solidão sem fios. O renga era interlocução falhada, lacunar, em busca da beleza da imprecisão. Música calada.
Quando o discípulo de Bashô diz que a poesia (e por extensão a arte) é uma “expressão em palavras”, somos obrigados a reconhecer o aspecto da intencionalidade, pois há um meio através do qual e sob o influxo de uma vontade algo é expresso.
No momento em que levo em consideração o meio, isto é, uma mediação de signos, já não há mais emoção pura. O grito, o urro, o muxoxo, o suspiro, enfim, tudo isso tem que soar afinado, pois o que está em perspectiva é um canto, em outras palavras: a arte. Poesia, música, pintura, haikai.
O haikai é o elogio da lacuna, do silêncio, da ausência sem nostalgia. O haijin nos apresenta as imagens como se fossem os acentos átonos de um verso. Ele deixa de lado os acentos fortes. Uma feita, enquanto o pintor Henri Matisse desenhava uma oliveira, observou os vazios existentes entre os galhos e começou a desenhá-los. Se Matisse se detivesse apenas na representação da oliveira que pode ser vista, ou que “aparece” no mundo, estaria pondo em relevo os “acentos fortes”, a convenção... Mas, o artista, ao representar os vazios, os interstícios da oliveira, desenha, figura os “acentos átonos”: o silêncio. Calderón de la Barca nos diz que “melhor fala quem melhor cala”. João Ângelo, em seu livro Entre quatro palavras (1991), escreve poemas que reiteram as questões discutidas até aqui, um deles diz: “só conta o que não foi dito./ o resto, como em toda reza que se preza,/ só entra numa outra conta...”; e o outro é um haikai que, não por acaso, fecha o pequeno volume: “estrelas no papel/ sem nenhuma palavra/ entro no céu”.
Essa é e perspectiva do haikai. Neste espaço em branco, neste intervalo impreciso e charmoso suscitado por imagens que parecem distantes entre si é que penetra a fruição do leitor. É onde o leitor, no exercício de sua leitura criativa, vira poeta, para o bem e para o mal.
O haikai tem origem no renga, poema dialogado que em sua feição ortodoxa era feito a várias mãos e era formado por um dístico e um terceto cujas partes se encadeavam na medida em que se sucediam os colaboradores. O renga bom é aquele cuja relação entre as partes é indecidível e distante. É imprescindível em sua resolução certa dose de incompletude, de elipse.
O haikai representa uma radicalização disso, pois ele se resume ao terceto. O dístico que complementava o renga com o passar do tempo vai ficando pelo caminho. O haikai é a solidão sem fios. O renga era interlocução falhada, lacunar, em busca da beleza da imprecisão. Música calada.
Comentários
Muito boa análise. Gostei de tudo e concordo que a arte não é expressão, é mais.
Poetizar é extrair a porção fóssil da língua. Ou, como diz Manoel de Barros: as minhocas arejam a terra, a poesia areja a linguagem.
Grande abraço,
Héber Sales
PS: postei um trecho do seu breve ensaio no PH, com link para este texto.
Cândido.
em homenagem ao teu belo texto, um quase-haicai já bem antiguinho:
sinal vermelho
centelha de som
no espelho da chuva
abrações,
paulo
gosto do texto e dos poemas que revela dentro dele.
bonita a tela da Rosa Marques.
abraço grande!
Bacana mesmo o texto.
Gostaria de entrar em contato com você, teria um e-mail para me passar?
O meu é 3am.jana@gmail.com.
Grande abraço!