pelé e ali
RA: A mpb moderna e contemporânea, num certo sentido, é uma invenção da televisão. Um amigo meu, temeroso da violência nos estádios, disse que o Pay Per View é a solução, que ele consegue ver tudo em detalhes, e que ele “se sente dentro do estádio”. Mas a televisão, na presunção realista de arremessar a partida de futebol no meio da sala do caro telespectador, acaba por cortá-la em mil fragmentos que jamais se unirão. O futebol também é uma invenção da televisão ou esta está mais para o seu túmulo?
JK: O torcedor do sofá jamais sentirá a emoção que se sente no estádio. A tendência do estádio virar estúdio tem, é claro, a ver com as dificuldades da vida moderna nos grandes centros urbanos e com a violência. Mas futebol no estádio é outra coisa.
RA: As pessoas ligadas ao teatro dizem que uma apresentação teatral não cabe no vídeo, que perde quando é televisionada, que é uma cerimônia ritual, que cada espetáculo nunca se repete etc. Uma partida de futebol é também uma representação, uma encenação, um evento contínuo. Um rio que passa em nossas vidas. Como no teatro, no futebol também estão em causa o ensaio e o improviso. Mas por que só em relação ao futebol não é possível pensá-lo fora da linguagem televisiva?
RA: Quando vou ao estádio torcer pelo Internacional, constato o relativo silêncio dentro das quatro linhas, claro que ao redor há a algazarra das torcidas, tem a batucada etc. Mas em comparação com a riqueza de sons captados e ofertados pelos equipamentos de transmissão, quer das rádios ou das televisões, quando estamos ali na arquibancada, e a certa distância, tudo em campo parece mais quieto e íntimo. No entanto, o rádio de pilha é uma extensão do torcedor insano que comparece nos estádios. Não é mais possível fruir o futebol sem essas mediações?
JK: Satisfatoriamente, não plenamente…
RA: A propósito, que obras literárias brasileiras você poderia citar que de alguma maneira representam o futebol de modo inventivo? Acho que são tão poucas, que eu me contentaria com trechos, passagens. Estudos, reportagens, biografias e congêneres não valem.
O Régis Bonvicino (http://regisbonvicino.com.br/) me propôs: que tal fazer uma entrevista com o Juca Kfouri para a Sibila? Topei, entusiasmado. Mas, dá para ver que sou um dublê de entrevistador: perguntei comentando; imperdoável. Mesmo assim, foi uma alegria, afinal, sempre fui fã do crítico e comentarista de futebol. Agradeço mais uma vez pela gentileza do Juca. A íntegra da entrevista pode ser conferida no link: http://www.sibila.com.br/index.php/mix/625-um-minuto-de-futebol-e-linguagem-com-juca-kfouri
Ronald Augusto: Juca, o futebol é uma forma de arte? Não me refiro aqui ao lugar-comum controverso do “futebol-arte”. A pergunta pode parecer um tanto estapafúrdia, mas se observarmos o panorama da arte contemporânea, chegaremos à conclusão de que esta é uma ilusão possível. No belo filme Nós que aqui estamos por vós esperamos, de Marcelo Masagão, há uma sequência cuja edição “faz” com que Fred Astaire e Garrincha dancem ao som de uma mesma melodia.
Ronald Augusto: Juca, o futebol é uma forma de arte? Não me refiro aqui ao lugar-comum controverso do “futebol-arte”. A pergunta pode parecer um tanto estapafúrdia, mas se observarmos o panorama da arte contemporânea, chegaremos à conclusão de que esta é uma ilusão possível. No belo filme Nós que aqui estamos por vós esperamos, de Marcelo Masagão, há uma sequência cuja edição “faz” com que Fred Astaire e Garrincha dancem ao som de uma mesma melodia.
Juca Kfouri: Nenhuma dúvida. Se Pelé, se Mané, se Diego, não são artistas, o que é um artista?
RA: A mpb moderna e contemporânea, num certo sentido, é uma invenção da televisão. Um amigo meu, temeroso da violência nos estádios, disse que o Pay Per View é a solução, que ele consegue ver tudo em detalhes, e que ele “se sente dentro do estádio”. Mas a televisão, na presunção realista de arremessar a partida de futebol no meio da sala do caro telespectador, acaba por cortá-la em mil fragmentos que jamais se unirão. O futebol também é uma invenção da televisão ou esta está mais para o seu túmulo?
JK: O torcedor do sofá jamais sentirá a emoção que se sente no estádio. A tendência do estádio virar estúdio tem, é claro, a ver com as dificuldades da vida moderna nos grandes centros urbanos e com a violência. Mas futebol no estádio é outra coisa.
RA: As pessoas ligadas ao teatro dizem que uma apresentação teatral não cabe no vídeo, que perde quando é televisionada, que é uma cerimônia ritual, que cada espetáculo nunca se repete etc. Uma partida de futebol é também uma representação, uma encenação, um evento contínuo. Um rio que passa em nossas vidas. Como no teatro, no futebol também estão em causa o ensaio e o improviso. Mas por que só em relação ao futebol não é possível pensá-lo fora da linguagem televisiva?
JK: Possível pensá-lo é, perfeitamente. Não é possível mantê-lo sem televisão, porque custa muito e ela paga a maior parte.
RA: Quando vou ao estádio torcer pelo Internacional, constato o relativo silêncio dentro das quatro linhas, claro que ao redor há a algazarra das torcidas, tem a batucada etc. Mas em comparação com a riqueza de sons captados e ofertados pelos equipamentos de transmissão, quer das rádios ou das televisões, quando estamos ali na arquibancada, e a certa distância, tudo em campo parece mais quieto e íntimo. No entanto, o rádio de pilha é uma extensão do torcedor insano que comparece nos estádios. Não é mais possível fruir o futebol sem essas mediações?
JK: Eu jamais entenderei quem leva rádio ao estádio. O cara precisa que alguém conte para ele o que ele está vendo. É um mistério.
RA: O futebol é expressão da cultura popular brasileira. Se isso é verdade, só mesmo a tradição oral, o anedotário dos boleiros, o gol mítico que perdura no boca-a-boca etc, dariam conta de representá-lo satisfatoriamente?
JK: Satisfatoriamente, não plenamente…
RA: O poeta William Carlos Williams (1883-1963) no poema “No jogo de beisebol”, escreve: “No jogo de beisebol a multidão/ é identicamente animada// por um espírito de inutilidade/ que a delicia — // todo detalhe emocionante/ da perseguição// e da evasão, o erro// o lampejo de gênio —// tudo sem outro fim que não a beleza/ o eterno […]”. Juca, isso é papo de poeta, mesmo? No futebol-commodity é besteira falar em “beleza” ou no “eterno”?
JK: Eis aí o segredo. A dialética da poesia. No dia em que a beleza e o eterno desaparecerem do futebol, por mais coisificado que ele esteja, o futebol também desaparecerá. E é por isso que o futebol é eterno, porque sempre haverá beleza nele.
RA: A propósito, que obras literárias brasileiras você poderia citar que de alguma maneira representam o futebol de modo inventivo? Acho que são tão poucas, que eu me contentaria com trechos, passagens. Estudos, reportagens, biografias e congêneres não valem.
JK: Então pegue O gol é necessário de Paulo Mendes Campos (editora Civilização Brasileira), vá à página 49 e leia “Vai da valsa”.
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