Desde 2006, o multipremiado Grupo Caixa-Preta vem realizando o Encontro de arte de Matriz Africana, evento dedicado, obviamente, à discussão e mostra da arte negra ou afro-brasileira. Há poucos dias chegou ao fim a quinta edição do Encontro. Uma semana de shows, oficinas, debates, performances, espetáculos de teatro e dança. Destaque para as participações do cubano Julio Moracen, poeta e antropólogo, pesquisador do Centro de Teatro e Dança de la Habana e do bailarino e coreógrafo Wagner Carvalho, idealizador e diretor do festival de dança “Brasil Move Berlin” que em 2009 chegou a sua quarta edição.
Em relação às anteriores, essa edição do Encontro de arte de Matriz Africana apresentou uma novidade: os organizadores obtiveram financiamento da Funarte através do Prêmio Festivais de Artes Cênicas. Naturalmente, essa conquista não resolveu todas as necessidades relativas às pretensões do evento, mas, por outro lado, marca o desafio de ampliar e aprimorar, a partir desse fato, sua organização e programação para as edições vindouras.
Outro avanço importante do V Encontro de arte de Matriz Africana foi o surgimento do primeiro número da Revista Matriz. A publicação visa a servir de referência às discussões conceituais que acompanham a produção das artes negras. A Revista Matriz representa a projeção do verbal num espaço essencialmente não-verbal e performativo como o Matriz, cujo centro do seu interesse é o teatro, a dança e a música. A revista indica o intervalo do legível imiscuindo-se no visível e no corpóreo dessas linguagens que se limitam com o litúrgico e o efêmero. A publicação, com o passar do tempo, deve se constituir em sinédoque dos cruzamentos teóricos e artísticos promovidos pelo Encontro.
Não obstante o evento ser nomeadamente de – pausa para a palavra a seguir – arte, ainda restam, aqui e ali, depoimentos e intervenções que insistem em colocar a criação artística a serviço de “causas e compromissos históricos”. Pode-se argumentar que o que vem após a palavra arte, isto é, “de matriz africana”, “negra”, “gaúcha” etc., é que dá assunto a essa espécie de “fogo amigo”. Talvez. Na verdade, tudo que vem depois da palavra supracitada não é irrelevante, mas apenas secundário. Infelizmente, as explicações inessenciais acerca da coisa acabam por substituí-la. Nesses debates purgativos tendemos a ficar com a explicação e descartamos o objeto artístico em si mesmo.
De outra parte, cumpre advertir que essa não é tônica do Encontro de arte de Matriz Africana, inclusive porque o Grupo Caixa-Preta, em termos de curadoria, persegue uma linguagem negra formalmente ousada, a par de ser contemporânea e universal. Mas esses contratempos militantes, enervando de quando em quando as discussões no interior do Matriz, estão aí como um rumor de fundo, uma tensão; e dão, por assim dizer, certo charme retrô ao evento.
O fundamental é que o V Encontro de arte de Matriz Africana, para a nossa satisfação, se ocupou a maior parte do tempo, e como de hábito, com aquelas formas de expressão que se comportam como uma autêntica escritura háptico-visiva a dar vez e cena a um conjunto de poéticas performático-rituais; formas de linguagem, cujo trato com o sagrado e o remoto, repercute no âmago delas como se fora uma espécie de segunda natureza. Em outras palavras, a dança, a música e a escultura teatral do corpóreo, em termos semióticos, tornam-se manifestações indiciais de divindades, mitologias e tradições em estado de comunicação viva com o contemporâneo.
A figura do indizível se deixa conjurar e afivela máscara física, material; torna-se visível por meio dessas linguagens não-verbais reiteradas a cada edição do Matriz. A relação compósita entre forma e fundo se dá de modo quase perfeito. Como separar o orixá do corpo inteligente que rodopia e canta a plenos pulmões no centro do terreiro cenográfico?
Comentários
Carinho sempre!
Foi um prazer estar contigo no Encontro de Arte de Matriz Africana, aproveito para desejar um ótimo 2011 com muitos encontros poéticos profícuos.
Abraços,
Cristiane Sobral