Pular para o conteúdo principal

de um blog ao outro




A linguagem da poesia não é, mesmo, para qualquer um, no sentido em que ela teria sido inventada para ir ao encontro, ou atender à demanda, de um determinado público; não. O movimento é inverso. A poesia engendra o seu público e, se necessário, mais adiante o descarta. De fato, não existe o "público apenas leitor" de poesia porque não há, a rigor, o falante de poesia como há, por exemplo, o falante de inglês, de alemão, de iorubá, de português, etc. É neste sentido que a poesia, segundo Carlos Drummond de Andrade, se converte nesta linguagem de alguns instantes. Uma língua-linguagem efêmera que se inventa ao inventar o seu leitor-falante e os modelos de sensibilidade que ele desentranha de si no agora impreciso e irredutível da leitura criativa.


Comentários

língua-linguagem/ leitor-falante... criações de tempo no espaço.

Nossa, se pode fazer um seminário sobre este parágrafo, sobre este dizer, dará muito o que ler e falar.

Beijos
denise freitas disse…
leio sempre...

um beijo
como sempre muito lúcidas, as suas análises. Eu, que tive o meu percurso de vida, como outros tiveram o seu, não sei se o Ronald Augusto terá em mente o alcance das suas palavras. A verdade é uma cara que surge com muitas máscaras, por muitas janelas, mas você acompanha-a sempre. Admiro muito este seu saber.
Abraços

Postagens mais visitadas deste blog

TRANSNEGRESSÃO

TRANSNEGRESSÃO 1              No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão ...

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a...

Cruz e Sousa: make it new

Ronald Augusto [*]   Falsos Problemas “Entretanto, eu gosto de ti, ó Feio! Porque és a escalpelante ironia da formosura, a Sombra da aurora da carne, o luto da matéria doirada ao Sol...” Eis aí, talvez, o indispensável Cruz e Sousa expondo - à sua maneira ou a quem tiver olhos para enxergar - o âmago daquilo que alguns estudiosos de sua obra consideram a “nota brasileira” do seu simbolismo, a saber, a condição de negro. Este recorte metonímico do poema em prosa “Psicologia do Feio”, que integra o livro Missal (1893), dá uma pequena amostra de quão abrangente é o estrato semântico a movimentar os dilemas e estilemas crítico-criativos de Cruz e Sousa. O Feio representa, a um só tempo, vetor ético e estético. O poeta opera com uma variante do motivo do artista maldito que vai se desdobrar no demiurgo algo monstruoso - porque dotado de “energias superiores e poderes excepcionais” que, no desmedido de sua experiência (húbris), transformam-se em verdadeiras ofensas co...