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jogando conversa fora

Machadinho


Literatura-arte, poesia, etc, é aquele momento em que o leitor-fruidor abre o livro (ou lê o texto no blog ou site) e diz, talvez em silêncio, “isso é muito bom”.

A figura mais importante no processo da comunicação poética é o leitor; e em dois aspectos: 1) porque o leitor é a outra ponta desse gesto, isto é, é a quem se destina o jogo do texto e quem dá continuação à Literatura enquanto sistema; e 2) porque um escritor é, antes de mais nada, um leitor, teoricamente mais aplicado.

O leitor é importante, mas não na perspectiva de que o escritor tenha de ser um facilitador da recepção daquele, ou seja, que o seu texto tenha de ser “acessível” a todas as faixas de público. O leitor é importante, pois ele é “o” interlocutor. Em literatura o leitor é um colaborador dos significados. Ele estabelece o fracasso e o sucesso (provisórios) do texto.

É paradoxal, pois embora o leitor exerça a prerrogativa de dar ao texto esse aspecto de obra sempre aberta, é o texto, em fim de contas, que inventa o seu leitor. O escritor de verdade não está aí para atender a nenhuma espécie de demanda. Literatura-arte não deve se confundir com os imperativos do mercado livreiro-editorial.

A literatura não atende demandas porque ela propõe, a todo momento, novos modelos de sensibilidade.

Em literatura não importa o que você diz, mas como você diz e o que, a partir disso, fica sugerido.

O escritor é aquele sujeito que tenta criar imagens para os seus significados, sentidos e sentimentos sempre imprecisos. Note bem: tenta.

O escritor de verdade não é aquele que tem grandes ideias, mas o que, a partir da qualidade de suas escolhas (afetivas, livrescas, filosóficas, etc), forma um repertório poderoso o suficiente para, se for o caso, suportar o seu desempenho e oferecer-lhe saídas estéticas para os impasses inerentes ao exercício.

Um escritor de verdade tem repertório.

Isso não quer dizer que um escritor ingênuo, iludido com a impostura da originalidade, não possa vir a realizar uma obra de importância, não; estatisticamente só será de ocorrência mais rara.

Mas, o importante é a qualidade das escolhas e as relações feitas a partir desse repertório que deve se renovar com a passar do tempo.

Textos essenciais:

Machado de Assis (os contos, e os romances a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas) / Manuel Bandeira (a poesia completa, Estrela da vida inteira)

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