Desencantado carrossel e a decadência da infância Um dos traços da modernidade de Cervantes na composição do Quixote diz respeito à (in)definição de quem narra de fato as aventuras dessa novela paródica dos romances de cavalaria. A multiplicidade de narradores estabelece uma ambiguidade contínua de tempo e de pontos de vista relativamente ao motivo central do livro. O romance moderno inspirado no clássico cervantino leva às últimas consequências, embora sem propor-se a uma resolução, a dúvida de quem seria a voz narrativa. Tal condição impõe ao romance similitudes com o poema moderno. Paul Valéry, a partir dos ensinamentos de Mallarmé, diz que quem fala no poema é a própria linguagem. Com efeito, em muitos poemas de agora-agora se pode dizer que nem mesmo uma voz lírica se faz ouvir. Chegamos, por assim dizer, a uma opacidade ou a uma enunciação átona no campo do discurso literário. No entanto, lendo o livro de Diego Grando, Desencantado carrossel , percebo uma possibilidade expressi...
Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Licenciado em Filosofia pela UFRGS e Mestre em Letras (Teoria, Crítica e Comparatismo) pela mesma universidade. É autor de, entre outros, Puya (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), e Decupagens Assim (2012). É colunista da revista http://www.mallarmargens.com/; e escreve quinzenalmente para http://www.sul21.com.br/jornal/colunista do site Sul21.