escrever à mão outra
vez, aos poucos, no controle da caligrafia, para que um dia, os olhos uma
segunda volta sobre essas linhas, um dia, acompanhem a linha do pensamento, se
tal lhes parecer agradável, o que nele havia de discurso, o que se arrastava,
suspiro de ideia após palavra aposta na superfície do fio, sem esbarrar na
rasura, em que a feiura, ínsula lisura de calígrafo de punho duro, em que a troia
tronchada desaba, o cabelo no ombro, guitarra lânguida de cordas azinhavradas,
a caspa do passado polvilhada no encosto do sofá-cama, assim a escrita
enfileirada à maneira de fachadas, atenção a essas casas do 19, algumas que
topamos, a idade de suas arquiteturas encimada, um brasão do tempo, o sucinto
recinto, o breve quadrículo onde lhe é facultado o obséquio da recepção mas sem
que se lhe permita o forro, o avesso, a intimidade indecorosa dessas habitações,
a senhora o atenderá em um minuto, pois não, uma ordinária caligrafia apreensível,
em paralelo com a demorada velocidade da imprensa local, os fatos se
transformam em notícia só depois de 7 dias, o compósito ferro-madeira da ponte
sobre o arroio, qual a alcunha?, 2 jovens nativos junto ao arbusto fuma-fumando
maconha, e sim o murmúrio do arroio se derrama em resmungo, urucungo, passa o
côncavo da casa velha, depois o salsochorão e sua coma aparada à navalha, na
esquina repentina o sobrado de cômodos que emuram pátio efêmero, a negra basta,
robusta e de voz cantante, ri como se fosse cantora lírica, alude ao sexo bom
experimentado há décadas com seu esposo amado como se solfejasse uma ária florentina,
mais tarde, em que se esquadrinha o repertório de trejeitos da tia maneirosa, o
modelo justinho de sua condição de dama démodé, aristocrata de fantasia, glauco
césar, numinoso o nome que esperdiça com esse filho falhado, se persigna
seguindo-a no vácuo, ele se estreita farejando-nos de perto sem bafejar uma
fala sequer, inesperadamente afirma alguma coisa, incontrolável comentário,
flatulência inodora, em que confessa com o vezo de estabelecer um fecho ao
relato que a caligrafia claudica, mas vim até aqui
Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest
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