“o que é poesia?”
é a grande questão que move os poetas, mesmo quando aparentemente ela não vem à
tona do campo de significação de seus poemas; a resposta mais fácil, resposta
de bolso, talvez seja a que diz que a poesia é quando a linguagem para nela
mesma, ou seja, quando o leitor percebe que a linguagem se dá em espetáculo, quando
o leitor é obrigado a ver/ler o que está de fato escrito/inscrito ante seus
olhos e não o que ele imagina estar sendo dito por meio da linguagem, em outras
palavras, o poeta não quer dizer, ele já disse, já materializou um objeto
estético-verbal significante, e que é uma coisa polissêmica; mas se alguém nos
perguntasse, por exemplo: “o que é a escultura?”. eu responderia de modo
sintético apontando um espécime: o
pensador de rodin. sim, mas como se faz escultura? ah, pois é. “o que é
poesia?” é uma pergunta que parece supor também isso: “como se faz?” é
necessário conviver com os poemas para saber o que é poesia, e não confundi-la
[a poesia] com os efeitos causados, que são da ordem do impreciso (cada um vai
perceber a coisa de um jeito, isto é, cada um vai inventar um significado para
aquela figura de um homem nu pensando; por outro lado, a escultura está ali presentificada e, a rigor, à
vista de todos objetivamente), daí outra definição, lema das minhas oficinas: poesia
é a precisão do impreciso, uma forma estética, um objeto lingual, que implica
em uma materialidade (uma imagem, uma metáfora nova) para o impreciso, feito
uma espécie de tradução; eis minha resposta sempre insuficiente.
TRANSNEGRESSÃO 1 No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão ...
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