Pular para o conteúdo principal

As últimas semanas em poucos traços: crônicas-relâmpagos


[fotograma do filme Assalto ao trem pagador (1962) de Roberto Farias]


Ronald Augusto[1]


Recentemente participei de um encontro muito bacana com os alunos da ocupação da Escola Ernesto Dornelles. Cardápio: literatura negra, homofobia, machismo, racismo, história, política, filosofia, afetos, poesia, enfim, só coisa boa para debater com ganas.

*

Vocês que apoiaram o impeachment com o pretexto de varrer a corrupção do mundo conhecido estão pagando o maior mico da história, seus manés. Morram de frio mergulhados no laguinho do Parcão.

Os apoiadores do golpe agora batem à porta do interino e ele, em agradecimento aos serviços prestados, tem de recebê-los, estejam ou não acompanhados de ex-atores pornôs.

*

Também não faz muito a Folha de S. Paulo publicou artigo do Cristovão Tezza em que o autor diz que não vê golpe nenhum acontecendo. Muita gente talvez tenha ficado chocada com isso. Eu não. Esse romancista sempre me pareceu conservador e mediano.

Por isso mesmo, uma feita, escrevi resenha a respeito de uma de suas obras, onde, entre outras coisas, afirmei o seguinte: "[...] Cristovão Tezza nos faculta o acesso a mais um romance que reifica inadvertidamente na percepção do consumidor contemporâneo o gênero como um simulacro de emoção que requer uma narratividade naturalista para atingir seus objetivos. A ideia de que tal simulacro anuncia/antecipa ao leitor a emoção que ele “naturalmente” encontrará durante a leitura, confirma a estrutura (que deveria ser fugidia) da prosa de ficção, antes de qualquer coisa, como a chave léxica de uma experiência sensório-emotiva não mais irredutível apenas a esse leitor.[...]".

*

Isso, sim, é que foi legal: o cu pa eu, o cu pa tu, o cu pa ela, o cu pa ele, o cu pa todo mundo: ocupatudo. Registro mnemônico de uma cantoria de manifestantes em frente à Representação do Minc no RS.

*

Eu sei que vocês vão achar isso um preciosismo meio Bela Gil, mas a Becel lançar uma margarina com "sabor manteiga" me parece uma barbaridade. Parece o governo do interino, isto é, pensa que consegue dissimular o que te fato é: um golpe branco para brancos levado a efeito por brancos reacionários.

*

Sim, o MinC e suas políticas para a cultura (se e quando incorretas) podem e devem ser criticados e corrigidos, mas reduzir sem mais a questão-MinC (e justo no momento em que sua extinção estava em curso) a uma caricatura de pasta tomada por supostas máfias, é de uma desonestidade escrota. E em boa medida, esses que levantam vozes para denunciar o atual "estado do MinC" não escondem um certo prazer nisso. Ah, esses criadores e intelectuais super independentes, vigilantes e inquebrantáveis, que retratam com gestos largos uma dramática falência geral e a nossa cegueira diante dela apenas com o intuito de superestimar e tornar mais impressionantes suas qualidades morais. Que a terra lhes seja charmosa.

Cortina de fumaça. Alguém me responda: como é que o secretário municipal de cultura de Porto Alegre, Roque Jacoby (DEM) teria mesmo coragem de peitar seu superior Mendonça Filho (DEM), ministro da educação, combatendo em prol da não-extinção do MinC? Unzinho só, me responda isso.

Mobilização pró forma e chapa-branca. Há algumas semanas por acaso eu estava na Usina do Gasômetro no momento em que a Secretaria da Cultura de Porto Alegre se reunia com a comunidade cultural para abordar posicionamento em apoio à manutenção do Ministério da Cultura. Então fui conferir. Estava lá, naturalmente, o secretário Roque Jacoby (DEM) todo sensibilizado com a então extinção do Minc e comprometido com a luta pela autonomia desse ministério (aham...). Quando chegou a hora de receber manifestações e propostas dos participantes, fui lá e me inscrevi. Na minha vez fiz uma proposta simples, papo reto, propus àquela altura que além de lutarmos pela preservação do Minc, que também repudiássemos a indicação do deputado Mendonça Filho (DEM) para o comando do Ministério da Educação que tutelaria o falso Minc. Houve um desconforto seguido de algumas palmas. Roque Jacoby sacudiu a cabeça contrariado. Em suma, vaza Mendonça Filho! Minha tese era e é a de que esse cidadão não presta para comandar nenhum dos dois ministérios.

Tudo que restar sob a tutela de um governo ilegítimo será ilegítimo. Esse MinC não é mais aquele.

*

Há pouco a jornalista Miriam Leitão denunciou que o governo do interino se compunha só de homens, não havia negros nem mulheres. E ela disse mais, ou seja, que depois de todos esses anos em que o PT apresentou governos com alguma diversidade, se o ministério do vampiro interino confirmasse esse perfil, então já significaria um baita retrocesso. Ah, Miriam, não fode!

Esse comentário que fiz sobre a ponderação de Miriam Leitão foi apenas para zoar com essa gente escrota que compactuou com o golpe e que agora fica posando de surpresa (vide o Senador Cristóvão Buarque) com a cara branquela e masculina do ministério do interino.

Espero que nenhum negro e nenhuma mulher façam parte dessa farsa, aliás, a ausência de negros e mulheres no atual ministério só depõe a nosso favor.


Post-scriputm

ADVOCATUS DIABOLI

Odeio profundamente a quem é seguidor de déspotas e curas,
mas ainda mais ao gênio que com eles concerta e se envilece.

[Friedrich Hölderlin, 1770-1843]



[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente em http://www.sul21.com.br/jornal/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dá licença, meu branco!

Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest

E mais não digo : apresentação

  De tirar o fôlego Guto Leite * Olha! Difícil dizer que o leitor acabou de ler o melhor livro do Ronald Augusto... Até porque se trata de poeta excelente, que vai com firmeza do assombro lírico de À Ipásia que o espera à organização sofisticadamente profunda de Entre uma praia e outra , e crítico atento e agudo, de coerência invejável em matéria variada, para citar Crítica parcial (isso para falar só em livros dos últimos anos). Ok, se não posso dizer que é o melhor livro do Ronald, afirmo com tranquilidade que temos uma espécie de livro de síntese de uma trajetória, de uma posição, de uma acumulação, de um espírito, que faz eco, por exemplo, a obras como Itinerário de Pasárgada , com textos canônicos de Bandeira, ou Sem trama e sem final , coletânea mais recente de Tchekhov, colhidas de sua correspondência pessoal. Com o perdão da desmedida, o livro do Ronald é mais inusitado do que esses, visto que a maior parte dos textos vem do calor da hora do debate das red

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a