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A crítica na internet




A crítica na internet
Ronald Augusto[1]

Não se sabe se o espaço da atividade crítica será em definitivo o da internet, digamos apenas que, neste momento, é aí que ela tem se manifestado de maneira mais avassaladora e complexa. Por outro lado, quando o jornal e o jornalismo disputam o qualificativo “barato”, na esperança de falar o mais rente possível aos desejos dos seus leitores, o resultado imediato é a depreciação da possibilidade de alguma forma de análise.
 O fato de a internet ser um território democrático ou anárquico, parece dar margem tanto para a mais destemperada opinião de seguidores do que quer que seja, quanto para a viabilidade de um pensamento crítico não tutelado. Não podemos afirmar que a migração da crítica de suporte papel para o âmbito virtual é um fato consumado. Cada meio engendra um determinado estilo de crítica que lhe é coerente. Mas o que se publica na internet é de fato uma forma efetiva de crítica?
 Talvez o que nos incomode seja essa sensação de que fazer crítica hoje tem mais a ver com o humor do tipo stand-up. Entretanto, essa espécie de humor não consegue ocultar sua escatologia reacionária. Dizem que a melhor crítica é aquela que incorpora algo de ironia. Só não concordamos que no bojo desta atividade a última palavra tenha que ser concedida ao humor. Em que tom os instrumentos da crítica são executados na internet? Pela reação, o mais das vezes, contrária a um senso crítico de corte mais severo, parece que o slogan contemporâneo para a atividade poderia ser algo do tipo “sejamos críticos, mas nem tanto”.
Sobre a questão da proliferação da crítica na internet como um fato que talvez aproxime o leitor do seu raio de atuação e se a internet provocou mudanças na crítica tradicional, parece natural que isso aconteça. Mas a situação causou o seguinte fenômeno: há a circularidade de uma presunção que pretende substituir outra, isto é, o discurso do crítico propositivo (o que não capitula), que o senso comum enquadra dentro do estereótipo do sabe-tudo, se choca com a falação do leitor-internauta respondão, que acha que pelo simples motivo de pagar seus impostos tem o direito de replicar à vontade, estando ou não ao lado da razão. Ambos os discursos se anulam na intransigência do “direito à expressão”, compreendido aqui como clichê retórico.




[1] Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blgspot.com


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