Pular para o conteúdo principal

clowndaniel



Um dos defensores obtusos da poesia concreta enquanto mero ismo, e no momento talvez o eunuco mais ativo dos “irmãos Campos”, chama-se Cláudio Daniel. É, no mínimo, engraçada a sua trajetória de poeta e de crítico, supondo que o meu desafeto — ele me inclui entre os bárbaros que escrevem para Sibila — mereça ser assim apontado nas ruas. Somos, mais ou menos, da mesma geração e, portanto, devido a essa contigüidade acompanhei desgraçadamente seus primeiros passos de afirmação e de tentativa de reconhecimento entre os seus iguais.


Se a memória não me engana, na década de 1990 assinava uma coluna no Poiésis, tablóide, já à época kitsch, de literatura e afins, publicado no Rio de Janeiro. Notável também, daquele ponto até aqui, sua perseverança num modo de abordagem das questões poéticas, sejam anteriores ou atinentes ao período, que consistia e consiste em reprisar os pontos de vista dos seus mestres dentro de um caminho já devidamente pavimentado por eles ou por outros seguidores mais dotados.


Como crítico, Cláudio Daniel se revela um rebarbativo divulgador das investigações ensaísticas de primeira hora do movimento da poesia concreta. Seus artigos (talvez calcados no lugar-comum de que o Brasil é um país sem memória) nunca passaram de peças aguadas, ecos avassalados desses textos hoje referidos à exaustão, inclusive dentro dos muros da academia. E ao contrário de uma parcela de críticos e comentaristas que ainda re-examinam e checam as idéias e controvérsias contidas em tais escritos, mas, o quanto possível, a partir de novas perspectivas, o teórico do neo-barroco (copirraite de Haroldo de Campos), por meio de um gesto que resta aquém mesmo da pior customização que se conheça a respeito do assunto, se aplica em jamais ultrapassar os marcos estabelecidos pelos que tacanhamente conferem um sentido de commodity ao viés da invenção.

Com efeito, Cláudio Daniel vai pisando a mesmidade como se fora um informante menor, obscuro, porém contemporâneo dos acontecimentos que serviram de base àquelas reflexões históricas. Assim, e paradoxalmente, o nosso querido Clowndaniel escreve com a maior seriedade, com “conhecimento de causa”, sobre ideograma, haikai, make it new poundiano, poesia visual, neobarroco, etc. Às vezes ele me parece mais um misto frio de estafeta patético e larápio do que propriamente um palhaço, tal como Luis Dolhnikoff o identifica em recente artigo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TRANSNEGRESSÃO

TRANSNEGRESSÃO 1              No período em que morei na cidade de Salvador, Bahia, final da década de 1980, fui procurado, certa ocasião, por uma estudante alemã que desembarcara no Brasil disposta a realizar um minucioso estudo sobre a literatura negra brasileira. A jovem estudante demonstrava grande entusiasmo diante de tudo o que se lhe apresentava. Antes de Salvador havia passado por São Paulo e Rio de Janeiro, onde conheceu, respectivamente, o genial Arnaldo Xavier e o glorioso Ele Semog. Posteriormente, estes poetas encaminharam-na a mim e a outros escritores também residentes em Salvador. Tivemos, se bem me lembro, dois ou três encontros de trabalho envolvendo entrevistas e leituras comentadas de poemas. Numa dessas reuniões, apresentei-lhe sem prévio comentário um poema caligráfico-visual. A jovem alemã, cujo nome prefiro omitir, se pôs a examinar e re-examinar aquelas traços opacos de sentido, e que, de resto, não ofereciam senão mínimos índices de informação verb

oliveira silveira, 1941-2009

No ano de 1995 organizei a mini-antologia Revista negra que apareceu encartada no corpo da revista Porto & Vírgula , publicação — infelizmente hoje extinta — ligada à Secretaria Municipal de Cultura e dedicada às artes e às questões socioculturais. Na tentativa de contribuir para que a vertente da literatura negra se beneficiasse de um permanente diálogo de formas e de pontos de vista, a Revista negra reuniu alguns poetas com profundas diferenças entre si: Jorge Fróes, João Batista Rodrigues, Maria Helena Vagas da Silveira, Paulo Ricardo de Moraes. Como ponto alto da breve reunião daqueles percursos textuais, incluí alguns exemplares da obra do poeta Oliveira Silveira. Gostaria, agora, de apenas citar o trecho final do texto de apresentação que à época escrevi para a referida publicação: “Na origem todos nós somos, por assim dizer, as ramificações, os desvios dessa complexa árvore Oliveira. Isto não nos causa o menor embaraço, pelo contrário, tal influência nos qualifica a

Dá licença, meu branco!

Irene preta, Irene boa. Irene sempre de bom humor. Quem quer ver Irene rir o riso eterno de sua caveira? Parece que só mesmo no espaço sacrossanto da morte, onde deparamos a vida eterna, está permitido ao negro não pedir licença para fazer o que quer que seja. Não se pode afirmar, mas talvez Manuel Bandeira tenha tentado um desfecho ambíguo para o seu poema: essa anedota malandramente lírica oscila entre “humor negro” e humor de branco, o que, afinal de contas, representa a mesma coisa. No além-túmulo – e só mesmo aí –, não nos será cobrado mais nada. Promessa de tolerância ad eternum , e sem margens, feita por um santo branco, esse constante leão de chácara do mais alto que lança a derradeira ou a inaugural luz de entendimento sobre a testa da provecta mucama. Menos alforriada que purificada pela morte, Irene está livre de sua “vida de negro”, mas, desgraçadamente, só ela dá mostras de não ter assimilado isso ainda; quando a esmola é demais o cristão fica ressabiado. Na passagem dest