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dois toques sobre arnaldo xavier (1948-2004)

1. Uma figura possível para representar o paraibano Arnaldo Xavier é a do autor cuja obra e reflexões críticas estão tensamente imbricadas no debate referente aos dilemas de uma vertente negra na literatura brasileira. Mas o odi et amo de Arnaldo Xavier com relação a esta questão, se define mais por uma atitude problematizadora e metalingüística do que por uma afirmação concludente e, de resto, interessada em legitimar tópicos identitários por meio de uma prática literária entendida como testemunho de verdade étnica. Para Arnaldo, literatura negra é um debate que não deve ser lacrado, assim, às pressas. Exceto, talvez, do ponto de vista acadêmico, é algo que não tem de ser resolvido. Mas um poema de verdade não admite solução.

2. Arnaldo pensou as questões étnico-raciais na margem oposta da circunspecção acadêmico-sociológica. Publicou a quatro mãos com o cartunista Maurício Pestana (http://www.mauriciopestana.com.br/), um livro ironicamente intitulado de Manual de sobrevivência do negro no Brasil. Humor (de) negro, sem preâmbulo. Arnaldo e Pestana podem perder o companheiro negro “identificado com a causa”, ou o branco solidário, mas não perdem o trocadilho verbivisual nem a caricatura impiedosa que põem em causa algumas idéias-feitas consagradas pelo debate intramuros. Nenhum outro “militante da literatura negra brasileira” produziu um livro tão interessante e vivo quanto o Manual.

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