Não gosto de teatro. Cheguei a fazer alguma coisa, mas pouco (breves atuações, iluminação e sonoplastia). Concordo com Francois Truffaut que em seu filme Beijos proibidos pôs na boca de um personagem a seguinte afirmação: “O exército é como o teatro: um maravilhoso anacronismo”. No entanto, o poeta Claudio Cruz me ensinou a gostar de algumas experiências desse gênero. Gosto, portanto, do teatro inventado pelo ex-encenador (?) Claudio Cruz. Esperando Godot (de Beckett) e Marcos, IV, 23 (versão cênica para um texto de Borges), montadas por ele, e mais uma ou duas peças concebidas por outros diretores formam minha antologia pessoal no âmbito da arte do teatro. Foi o que sobrou.
Uma parte mínima de Recordações de um encenador da província quando jovem (ed. Clarília, 2011), dois ou três excertos se não me engano, já está antecipada em A ilha do tesouro e outros poemas. Nesse livro de poemas Claudio entranha alguns textos indecidíveis cuja forma porosa roça a linha da prosa nos sugerindo uma plasticidade capaz de se adaptar às circunstâncias.
Em Recordações de um encenador da província quando jovem há uma disposição para o híbrido, o equívoco, o esboço. Há a incompletude do desejo agindo sobre a memória nesses textos. Assim, situados num livro de poemas, eles são poemas em prosa. Por outro lado, num livro sem poemas entre as suas capas, esses mesmos textos se abrem às formas livres da prosa moderna e contemporânea.
Chamar esse pequeno volume de um retrato de uma época ou de uma determinada classe artística não faz justiça ao texto do Claudio Cruz. Mesmo que o título faça uma alusão lateral a isso.
Quando me refiro ao sentido de esboço para o livro, tento ler Recordações de um encenador da província quando jovem não através da eloquência pictórica ou do verismo fotográfico, mas sim através da imprecisão precisa e da síntese do desenho. O desenho realça só os momentos de máxima intensidade, como que a sugerir o restante da cena ou da imagem. Desenhos precários e subjetivos de um trecho histórico e pessoal. Cada fragmento de Recordações de um encenador da província quando jovem representa um desenho flutuando sobre o fundo branco que mimetiza o silêncio ou o esquecimento. Ficção do inacabado que se cumpriu, que trai tanto o verdadeiro quanto o falso. Fricção do afeto que se projeta sobre a linguagem.
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Poemas para Cabrais
I
Um piano é mais que um piano,
por exemplo,
quando é piano em retrato.
Porque um piano em retrato
a outros retrata leva.
Pode ser que de repente
algumas teclas se movam.
Pronto: é coisa diversa.
Alguém entrou no retrato.
Veja: é quase um filme.
Psiu! Sonhemos...
E seguem os poemas II e III... vale ter o livro, leiam!, um grande presente que me chegou às mãos.
Um abraço e bom final de semana, bom estar aqui sabendo mais do trabalho de Claudio Cruz.
Carmen.