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Mostrando postagens de 2012

A tacanha intransigência de Sergio Miceli com as vanguardas

Ronald Augusto [1] As vanguardas artísticas e literárias da virada do século 19 para o 20 experimentam um processo até certo ponto rápido de consagração. Em outras palavras, se historicizam até de maneira surpreendente, inclusive porque, não podemos nos esquecer, os registros ou o anedotário da resistência, seja aos desdobramentos da vanguarda europeia aclimatados às nossas condições latino-americanas, seja ao modernismo tardio, formam uma pequena história à parte – exemplo disso, no caso brasileiro, é a crítica neurastênica de Monteiro Lobato à pinturas que Anita Malfatti expõe em 1917. Assim, tal resistência, pelo forte teor arrivista assumido por suas posições e contraposições, não dava, à primeira vista, indícios de que essas experiências fossem facilmente assimiladas, sequer que se chegaria a um acordo valorativo em torno à sua estranheza. Portanto, a movimentação e a bibliografia de toda a polêmica relativa ao problema contribuiu, ao fim e ao cabo, para fazer da...

O que deve ser dito, rapace

Dizer que Rapace de André Capilé é um pequeno e intratável conjunto de poemas onde uma antitradição aparece em movimento e em fragmentos que jamais se unirão, isto é, dizer que esta experiência de linguagem é resultante do desejo (sincronia) que embaralha o fichário (diacronia) do acervo. Dizer que Rapace é exusíaca expropriação do legado. Dizer que, para o nosso tempo, Rapace pode ser a transluciferação do Losango Cáqui do mulato controverso Mário de Andrade. Quase a mesma gana de levar à derrisão o sonho do poema classudo. Quase a língua de todos os instantes dando um drible – o corpo para um lado, a bola para o outro – na antiestocástica do poema. Dizer que André Capilé projeta os dados compositivos do poema além do círculo da metaforização ornamental; dizer, um pouco mais, que o poeta nessa “demorada hesitação entre som e sentido”, nesse redemoinho de morfemas, transfere ao poema toda uma anamorfose de meditados maldizeres congeniais ao “ fine excess da poes...

Antimanual de instruções para flutuar

Prólogo travestido de poema; parapoema; operação duchampiana onde o discurso poético se interessa por sua própria desaparição e toca, portanto, a linha de fronteira da antipoesia; virulento tolicionário aos interessados em conquistar uma vida segura; enfim, o texto que situa o leitor na antessala do conjunto de poemas Use o assento para flutuar de Leo Gonçalves, parece exigir desse leitor que ele “pare à porta e cisme”. Sem recusar a noção de que um poema começa por onde termina, Leo Gonçalves – sabendo que diante da aparente impenetrabilidade do poema o fruidor anseia para que se abram suas portas de modo que ele seja introduzido nesse universo desconhecido – concebe a leitura como suspeição irônica diante dessas portas que estão sempre maliciosamente abertas. O texto de abertura justapõe uma série de sentenças e enunciados que se constituem numa espécie de manual de instruções de corte paródico cuja observância facultará uma vida de prudência ao cidadão resignado ou ao ...

Oliveira Silveira e a reunião de sua poesia

Naiara Rodrigues Silveira, filha de Oliveira Silveira Analisada e fruída em sua complexa totalidade, talvez se consiga demonstrar através da presente reunião, que Oliveira Silveira além de estar atento às questões históricas e sociais dos afro-brasileiros, também respondeu crítica e criativamente ao seu tempo-espaço porque não descurou quer das questões relativas à tradição poética (diacronia), quer das relativas à função poética (sincronia), ou antes, porque as entendeu sempre como valores vivos e em movimento, enfim, como algo que ele conquistou tendo em vista a formulação da sua linguagem em situação de relação com o ambiente literário que lhe tocou viver. Outro importante poeta brasileiro que às vezes é valorizado por esse viés regional, embora renovador e renovado, mas sem que sua poesia se defina integralmente por tal traço, é João Cabral de Melo Neto. Muitos dos seus livros, inegavelmente, andam em linha vizinha ao antropoético do Nordeste, mas jamais esbarram num ...

Oliveira Silveira – Obra reunida

Edição do Instituto Estadual do Livro (RS) Organização, apresentação e notas de Ronald Augusto Comemorando um arco de quase cinquenta anos de atividade poética do autor, pois Germinou , livro de estreia de Oliveira Silveira, surge em 1962, o Instituto Estadual do Livro (RS) publica Oliveira Silveira – Obra reunida . A presente reunião completa (o quanto possível), ao menos no que toca aos seus livros de poesia publicados, se reveste de fundamental importância. A obra, ao enfeixar onze livros que tiveram tiragens reduzidíssimas, quase artesanais, vem preencher uma lacuna de pesquisa bibliográfica e de fruição estética relativas a um percurso textual que, ao longo das últimas décadas, tem sido objeto de interesse tanto de escritores, críticos e professores universitários do Brasil e do exterior, quanto de jovens poetas e leitores interessados em aprofundar seu conhecimento na linguagem de Oliveira Silveira. Essa reunião servirá também para estabelecer comparativos e...

entre os cinco por cento

por  Régis Bonvicino Na verdade,   Cair de costas   é, do ponto de vista editorial, o primeiro livro de poemas de Ronald Augusto, porque reúne cinco plaquetes, lançadas a partir dos anos 1980, com tiragens pequenas, que propunham a leitura de sua poesia aos amigos.   Cair de costas   reúne a parte de formação do trabalho do guitarrista da   banda os poETs . Não há, em   Cair de costas , inovações formais ostensivas na aparência, embora essa poesia não seja nostálgica ou   grandiloquente , com temas   kitsch . Ronald vale-se, genericamente, dos recursos legados pelo modernismo (1922), pelo concretismo (1956)  e pela dicção direta das letras de mpb e   rock and roll   dos anos 1960. Os poemas são breves, caligráficos ou curtos, estes mais discursivos. A poesia brasileira chamada “contemporânea” constitui-se em uma massa informe de poemas em prosa, cortados em linhas. O nome dos autores são diferentes, entretanto,...

Cair em pé

por Ricardo Silvestrin [1] É um mistério (e, como tal, o barato é que não se explique) a feitura do poema de Ronald Augusto. Fico pensando como o referido  poeta cria esses ruídos de sentido dentro do seu poema. É de caso pensado? Sacanagem mesmo pra cima do leitor? Ou vem do caminho, da dicção interna do que está sendo criado? Tendo a ficar com essa última hipótese. Como se, na oficina do poema, sobre a mesa, palavras avulsas, aparentemente fora da conversa, se olhadas por um outro ângulo, seriam as melhores a entrar. Assim flui a nossa leitura em muitos do seus poemas. Íamos por um caminho e, quando vemos, acabamos em outro, que pode até ser o mesmo, mas com outra paisagem. Isso tudo e muito mais está na reunião  Cair de Costas , em que Ronald traz de volta sua produção editada entre 1983 e 1992. . Como acompanho sua trajetória mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente (amizade que já dura décadas), reler o conjunto trouxe duas impressões novas que, na ...

sons e pausas em Tambores pra n’zinga

Denise Freitas e Ronald Augusto [1] Desde o título, Tambores pra n’zinga [2] , até o que, feito um farfalhar de sentidos, se desprende dos poemas enfeixados entre suas capas – poemas que, às vezes, “dizem” mais o rumor de um discurso do que uma música em devir – nos tornamos mais ou menos cientes do que o livro de fato comunica? Não. Pois o que se dá e o que não se dá pelas forças das relações estabelecidas, o que não cabe durante nem após a expedição de conquista da leitura, enfim, mesmo ao afortunado intérprete a quem os sentidos de Tambores pra n’zinga se presentificassem na figura do compreensível, o que a linguagem de Nina Rizzi comunica, felizmente, é muito pouco. Em poesia a coisa que interessa não diz respeito à comunicação, o que vale a pena nesse jogo jamais é enunciado. Mas tudo isso representa uma parcela dessa interpretação que se precipita agora mais para as senhas requeridas ao apetite do impreciso. A propósito disso, a pluralização dos advérbios quand...